Segundo mensagens de funcionários do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) obtidas pela Folha de S.Paulo, o ministro do STF e à época presidente do TSE, Alexandre de Moraes, teria ordenado extraoficialmente a produção de relatórios por parte do TSE para embasar suas decisões no Inquérito das Fake News. As mensagens sugerem ainda que Moraes teria pedido ajustes nos relatórios. É prudente aguardar a divulgação integral das mensagens antes de tirar conclusões definitivas. Mas esse tipo de heterodoxia procedimental é compatível com as irregularidades que maculam os inquéritos das fake news e milícias digitais conduzidos por Moraes.
Inquéritos têm de ter prazo para acabar, ser transparentes e ter objeto determinado. Mas esses conduzidos por Moraes são prorrogados há anos. Sob a justificativa da excepcionalidade e interpretações extravagantes sobre a competência da Corte, eles já motivaram censuras, bloqueios de contas, quebras de sigilos, multas exorbitantes e prisões preventivas cuja legalidade não pôde ser verificada, porque correm sob sigilo. Além de secretos e intermináveis, os inquéritos são tentaculares, e já foram empregados para fins tão disparatados como a censura a empresas durante a tramitação do Projeto de Lei das Fake News até a investigação da falsificação do cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A propósito dos relatórios do TSE, em princípio não há ilegalidade no fato de um de seus juízes tomar providências investigativas, mesmo sem ser provocado, uma vez que o Tribunal tem poder de polícia. No entanto, alguns dos relatórios não tinham relação direta com as eleições e foram produzidos fora do período eleitoral. Em outros momentos no decorrer dos inquéritos, houve irregularidade flagrante na acumulação por Moraes das funções de investigador, acusador, juiz e vítima, como quando abriu inquérito contra Elon Musk com base em críticas do empresário.
As encomendas ao TSE, se não são ilegais, são no mínimo esquisitas. Por que ignorar os ritos para, aparentemente, simular uma provocação espontânea por parte do Tribunal? O desconforto dos envolvidos é evidente. “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada”, diz o juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Airton Moreira, ao chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, Eduardo Tagliaferro. “Como um juiz instrutor do Supremo manda (um pedido) pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
O que ficou mais “chato” foram os objetos das denúncias. Uma delas inclui duas postagens do jornalista Rodrigo Constantino. “O que se passava na cabeça de Gilmar Mendes na festa da impunidade ontem, festejando a nomeação de Lula pelo sistema?”, diz uma. E a outra: “É a primeira vez na história do crime organizado que as vítimas assistem, em tempo real, a quadrilha se preparando para lhes roubar, conhecem os criminosos, e não podem fazer nada porque a Justiça a quem poderiam recorrer faz parte da quadrilha”.
Moraes ordenou a quebra de sigilo bancário de Constantino e o cancelamento de seu passaporte, bloqueio de suas redes sociais e intimações para que fosse ouvido pela Polícia Federal. De fato, como disse o ministro em sua nota, o TSE “tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições”. Mas é esse tipo de crítica a políticos e juízes, plenamente assegurada pela Constituição, que o ministro entende por “atentado”?
Quem mais está sendo investigado nos inquéritos e por quê? Ninguém sabe, e o País não pode ficar a depender de áudios vazados para saber. A julgar pelas mensagens dos assessores de Moraes, somos todos autorizados a crer que a justificativa para essas investigações é a sua “cisma”. Já passou da hora de esses inquéritos virem a público e serem encerrados. Não se defende o Estado Democrático de Direito fazendo pouco-caso das regras e dos ritos do Estado Democrático de Direito.