A cada dia, a indicação de Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal (STF) é dada como mais certa. Segundo o Estadão, o presidente Lula da Silva estaria decidido a indicar seu advogado para a Corte, apesar de todas as pressões contrárias do próprio PT. Além disso, o terreno para a indicação parece cada vez mais preparado no Judiciário e no Legislativo. Em entrevistas, ministros do Supremo, bem como os presidentes do Senado e da Câmara, têm dito não haver objeções ao nome de Zanin.
Chama a atenção que, nas manifestações de apoio a Cristiano Zanin, o máximo que se diz é que se trata de um advogado competente. “Eu reputo (Zanin) como um ótimo advogado”, disse o ministro Gilmar Mendes. Não há dúvida de que isso é um grande elogio, mas a questão é: basta ser um bom advogado para ser ministro do Supremo?
Segundo a Constituição, os integrantes do STF devem ser “cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. É um patamar exigente. Compor a Corte constitucional requer mais do que uma excelência na práxis da advocacia. É preciso ter notável saber jurídico. E aqui, sem desmerecer Cristiano Zanin, é de justiça reconhecer a completa ausência de qualquer conhecimento sobre ele. Não se sabe o que ele pensa. Suas posições jurídicas são uma incógnita. Não há nada a indicar sua específica compreensão do Direito e da Constituição. Ou seja, simplesmente não se sabe qual é, de fato, o seu saber jurídico.
Para preencher o requisito constitucional, não basta ter profundo conhecimento do Direito. É preciso que esse conhecimento seja notável. Não deve pairar nenhuma dúvida sobre ele. Caso contrário, já não será “notável”. Essa dimensão pública do saber jurídico da pessoa indicada para o Supremo relaciona-se diretamente com o papel da Corte, que precisa dispor de autoridade.
A população não precisa gostar dos ministros, tampouco concordar com suas posições. Mas é imprescindível que não haja nenhuma sombra sobre seu saber jurídico. Por isso, não é nenhum demérito, a princípio, não preencher os requisitos constitucionais. As exigências específicas para integrar o Supremo – notável saber jurídico e reputação ilibada – expressam o necessário cuidado com a Corte constitucional, de forma a que ela tenha condições de exercer adequadamente sua função contramajoritária de defesa da Constituição.
Esse cuidado com o STF, indicando pessoas que indiscutivelmente cumprem os requisitos constitucionais, é aspecto essencial do zelo pelo Estado Democrático de Direito. De outra forma, a Constituição ficará desprotegida. As decisões da Corte que eventualmente contrariem a opinião da maioria da população serão mais vulneráveis à resistência. O caráter jurídico dos julgamentos do STF será mais facilmente contestado. Nada disso é mera questão teórica. Para defender eficazmente as liberdades fundamentais e as instituições democráticas, o Supremo precisa ter autoridade reconhecida, com ministros de reputação ilibada e notável saber jurídico. Não basta ser um bom advogado.
É frequente a avaliação de que, nesses primeiros meses de governo, Lula da Silva tem escutado pouco e agido de forma teimosa – ou mesmo arbitrária – em muitos assuntos. De certa forma, a indicação de Cristiano Zanin para o STF seria a síntese perfeita desse modo obnubilado de governar. Ao efetuá-la, o presidente explicitaria que, indiferente às exigências constitucionais, é fiel apenas a seus impulsos, gostem os outros ou não.
Por óbvio, esse jeito de governar gera sérios problemas ao País. O despotismo serve para realizar caprichos, não para identificar e implementar o interesse público. No entanto, em geral, há a possibilidade de retificar o rumo. Por exemplo, mesmo que não haja expectativa de nenhuma grande mudança em Lula, é possível esperar que, no segundo semestre, ele não erre tanto como tem errado até agora. O problema é que, em relação à indicação ao STF, não há essa possibilidade de correção. Feita a escolha equivocada, não há volta, como Lula bem sabe.