Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A conta da política fiscal eleitoreira

Levantamento da FGV mostra que estratégia de maquiar gastos abusivos nas eleições vinha sendo reduzida após um pico com Dilma Rousseff. Mas, com o lulopetismo de volta, o céu é o limite

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

Populistas não seriam populares se não fossem eficazes na arte de vender ilusões. Na economia, ela implica rifar o crescimento sustentável no futuro para fabricar um bem-estar efêmero no presente. A regra número um do manual do demagogo é mascarar a expansão de gastos ao final do seu mandato, obrigando a sociedade a pagar a conta no seguinte. Pesquisadores da FGV Ibre fizeram as contas para mostrar o tamanho dessa fatura.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se queixa, por exemplo, de despesas contratadas sem fontes de financiamento herdadas de Jair Bolsonaro. De fato, Bolsonaro empregou estratagemas criativos para ocultar impactos fiscais, como quando transferiu dívidas do Tesouro – os precatórios – para administrações futuras ou declarou “estado de emergência” em 2022 para justificar gastos fora do teto. Em tese, ele entregou o governo com um superávit primário de 0,2% do PIB; na prática, como os gastos encobertos foram de 0,9%, legou um déficit de 0,7%.

Este retrato do momento é útil à retórica vitimista lulopetista. Mas a trajetória do filme mostra que o lulopetismo é o grande responsável pela disfuncionalidade fiscal cujo preço se vê, por exemplo, nas cotações do dólar. Bolsonaro só aplicou a cartilha lulopetista, mas com menos denodo.

A contabilidade criativa vinha sendo reduzida nos últimos ciclos eleitorais. O déficit real de 0,7% do PIB, ao final de seu mandato, foi de 1,2% ao final de Dilma 2/Temer e de 3,5% ao final de Dilma 1 (1,8% de déficit primário, mais 1,7% de gastos ocultos). Para piorar, o período pré-eleitoral em Dilma 1 foi marcado por fortes intervenções no câmbio para baixar momentaneamente os preços das importações, o que não aconteceu nem no governo Temer nem no governo Bolsonaro – que, inclusive, inviabilizou a prática ao aprovar a autonomia do Banco Central, que Lula detesta.

A própria Dilma só agravou a degradação herdada de seu criador. Após a reestruturação fiscal de FHC e um período de estabilidade no início de Lula 1, a situação fiscal se deteriorou continuamente, de um superávit primário de 2,5% em 2005 para um déficit de 1,8% em 2014. Entre 2015 e 2019, o déficit se manteve em 1,5%. Em 2020, houve uma recuperação, e 2021 se encerrou com superávit de 0,6%.

Nos últimos anos houve, como diz Haddad, aumentos de despesas obrigatórias sem fonte de financiamento, como no Bolsa Família, Fundeb ou emendas parlamentares – todos apoiados pelo PT. Ainda assim, o gasto primário do biênio 2021-2022, de 18,1% do PIB, foi inferior aos 19,5% de 2019, pois o salário mínimo e os gastos com saúde e educação eram ajustados pela variação da inflação, portanto, sem aumento real.

Como dizem os pesquisadores da FGV Ibre, o governo Bolsonaro fez uma “escolha” para acomodar a elevação das despesas, e, se o modelo tivesse sido mantido nos quatro anos subsequentes, teria criado um espaço fiscal de 1 ponto porcentual do PIB. Já o governo Lula “não fez escolha nenhuma”. O salário mínimo agora é reajustado pela inflação e pelo crescimento do PIB, enquanto as despesas com saúde e educação voltaram a ser vinculadas às receitas.

A arrecadação aumentou, mas os gastos aumentaram mais e 2023 voltou a registrar um déficit de 1,6%. Para piorar, o governo elevou gastos parafiscais – como bolsas para estudantes ou empréstimos via fundos públicos –, que não passam pelo Orçamento, mas pressionam a dívida.

Quando Bolsonaro aprovou o aumento “temporário” do Bolsa Família em 2022, Lula ironizou: “É como se fosse um sorvete: chupou, acabou; fica com o palito na mão. Temos que dar uma lição para ele”.

A lição seria aprovar, como nas economias desenvolvidas, mecanismos institucionais para garantir a robustez da política econômica no médio prazo, como limites fiscais num horizonte de três a quatro anos para contrabalançar o apetite imediatista dos ciclos eleitorais. É o que se esperaria de um estadista. Mas Lula é um populista, e faz o contrário: produz mais sorvetes, com novos sabores, empurrando para 2027 um ajuste fiscal amargo. A sociedade continuará a pagar a conta dos populistas, se não aprender a lição e puni-los nas urnas.