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A conta que não fecha

Alerta do TCU ao Executivo sobre o risco elevado de descumprimento da meta fiscal de 2024 é um capítulo previsível do enredo pouco crível da responsabilidade fiscal do governo Lula

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Por Notas & Informações
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Em decisão unânime, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu alerta ao Executivo sobre o alto risco de descumprimento da meta fiscal deste ano. Dentre todas as manobras da equipe econômica para tentar fazer caber na conta do “déficit zero” estimativas de despesas e receitas que não convergem para esse saldo, uma extrapolou qualquer limite de benevolência da Corte: a arrecadação extra de dezenas de bilhões de reais com a reativação do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que dá à Fazenda ganho de causa quando há empate no conselho em processos tributários.

O posicionamento do TCU é obrigatório, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal, sempre que há dúvidas se o objetivo fiscal será alcançado. Em casos flagrantes como este, então, não há o que discutir. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até tentou, indo voluntariamente ao TCU dias antes, acompanhado do alto escalão do Ministério, para tentar explicar o inexplicável. Mas, diante da discrepância abissal entre expectativa e realidade, não houve jeito. O relatório da Corte destacou que o resultado de mais de sete meses completos mostra que o montante arrecadado (R$ 83 milhões) representa apenas 0,22% da estimativa prevista para o ano (R$ 31,71 bilhões), “o que sinaliza elevado risco de frustração”.

O erro grave do governo de manter a corda fiscal esticada ao máximo do esgarçamento, insistindo em apontar suas baterias para o piso da meta, e não para o centro, tampouco passou despercebido pelo TCU. Em seu relatório, acompanhado por todos os pares da Corte, o ministro Jhonatan de Jesus afirmou ter constatado “que a probabilidade de frustração de receita dessa envergadura possui potencial de comprometer as metas estabelecidas, mais ainda pelo fato de o Executivo vir trabalhando no limite inferior da meta”.

A diferença gritante entre o que foi projetado e o efetivamente arrecadado até agora com a mudança no Carf – que o Estadão noticiou ao obter o dado por meio da Lei de Acesso à Informação – não é o único truque a fazer do orçamento fiscal uma peça de ficção. O próprio relator do processo no TCU tangenciou o assunto ao alegar que “esses dados, somados às demais medidas em adoção pelo Ministério da Fazenda, fazem-me concluir pela existência de uma situação-limite entre ‘alertar’ ou ‘não alertar’”.

Mas é fácil listar medidas criativas e de resultado pouco crível, cujo principal objetivo parece ser o de camuflar o resultado das contas do governo, contornando, com mais ou menos habilidade, as regras fiscais. Pelo lado das despesas fazem parte deste rol, por exemplo, a retirada da conta de superávit primário de gastos que necessariamente teriam de passar pelo Orçamento, como as bolsas do Programa Pé de Meia, que atende alunos do ensino médio; a concessão do auxílio gás; recursos para combate às queimadas; e o projeto que autoriza a estatal Emgea a comprar dos bancos créditos imobiliários “podres” para liberar instituições financeiras para conceder mais empréstimos.

No outro fator da conta, a arrecadação extraordinária tem projeções infladas que não se confirmam. Além da questão do Carf (tribunal onde são julgados recursos administrativos de débitos de contribuintes), a facilitação de transações tributárias com a Receita Federal, com as quais a Fazenda esperava arrecadar R$ 31 bilhões, rendeu, até agosto, R$ 1,961 bilhão. O ministro Haddad também conta com R$ 12,2 bilhões extras em transações tributárias com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém o saldo real ainda não é conhecido.

Uma conta que não fecha de um lado nem de outro é o resultado de uma política fiscal equivocada que, além de resistir a cortar gastos, ainda aumenta despesas ao sabor de medidas populistas, típicas do lulopetismo. De outro lado, a insistência em elevar receita onde não há mais o que espremer leva a estimativas irreais. Ou a Fazenda começa tudo de novo ou abre mão do arcabouço fiscal.