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A diplomacia em campo minado

No momento em que Biden tentava dialogar com árabes, um incidente mal explicado num hospital de Gaza é explorado pelos inimigos da paz para sabotar o esforço diplomático

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Por Notas & Informações
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A visita de Joe Biden a Israel, incomum para um presidente americano em uma zona de guerra, desperta esperanças na diplomacia. Mas o cancelamento do seu encontro com o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sissi, o rei Abdullah da Jordânia e o líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, logo após a notícia da explosão de um hospital em Gaza, mostra o quão estreita é a corda bamba em que a diplomacia dá seus passos no Oriente Médio e o quão fácil é tensioná-la e até rompê-la, mandando as esperanças pelos ares.

Os desafios de Biden expõem a volatilidade da situação: apoiar a defesa de Israel e proteger os civis de Gaza; combater o Hamas e buscar alternativas para um Estado palestino; engajar os países árabes e respeitar sua preocupação com os palestinos; dissuadir o Irã sem provocá-lo.

Publicamente, o objetivo primordial da visita foi mostrar solidariedade irrestrita a Israel e apoiá-lo em seu esforço por erradicar o Hamas. Isso não é incompatível com a compaixão pelos palestinos. Dias antes, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou junto ao premiê Benjamin Netanyahu: “Nós, as democracias, nos distinguimos dos terroristas por lutar com padrões diferentes – mesmo quando é difícil – e prestar contas quando falhamos. Nossa humanidade – o valor que damos à vida e à dignidade humana – faz de nós o que somos”. Após as atrocidades sofridas por Israel, manter-se nos padrões morais e legais é de fato difícil. Mas fazê-lo é não só questão de princípio, como de interesse, e seus aliados podem ajudá-lo, em meio ao pânico e à cólera, a combater com sabedoria.

Privadamente, é plausível que Biden tenha conversado sobre a necessidade de autocontenção e as estratégias de Israel, não só militares, mas políticas, para impedir a deflagração de conflitos regionais e encaminhar o destino de Gaza após a obliteração do Hamas. Mais imediata é a necessidade de prover corredores humanitários e suprimentos aos civis em Gaza.

Tem havido conversas também com o Egito. Mas o país se recusa a receber refugiados, com medo de que sejam abandonados lá sine die. Aliados podem ajudar arquitetando garantias de que isso não acontecerá.

Na semana passada, Blinken fez uma rodada de visitas a aliados de países árabes, cujas ruas estão tomadas por multidões enfurecidas contra Israel, mas seus líderes observam em silêncio. Comparativamente, é um avanço. Até 2020, só Egito e Jordânia tinham laços diplomáticos com Israel. Depois dos Acordos de Abraão, somaram-se mais cinco, com a perspectiva da normalização com outros, incluindo a Arábia Saudita. Publicamente, as negociações estão congeladas. Mas, privadamente, os diplomatas precisam envidar esforços para mantê-las nos trilhos. São países que têm um inimigo comum com Israel, o Irã, e ojeriza a milícias apoiadas por ele, como o Hamas e o Hezbollah.

Mas, como costuma acontecer no Oriente Médio, no momento em que uma janela se abria à diplomacia, ela foi atingida literalmente por uma bomba. Notícias de Gaza de um hospital supostamente pulverizado por Israel correram o mundo. Os israelenses apresentaram indícios consistentes de que pode ter sido um acidente de um foguete disparado pela Jihad Islâmica palestina. Seja qual for a versão correta dos fatos, o estrago estava feito. Conversas diplomáticas foram sustadas, enquanto representantes árabes na ONU protestaram contra os “crimes de guerra” de Israel – ainda que sigam silentes sobre os reféns mantidos pelo Hamas.

O incidente serve de advertência. Se a verdade é a primeira vítima da guerra, o primeiro dever de quem a busca é se acautelar contra seus algozes. É preciso lembrar que quaisquer informações de “agências oficiais” ou “ministérios” de Gaza vêm de agências e ministérios comandados por terroristas. Podem até ser verdadeiras, mas é preciso um grau extra de ceticismo ao acolhê-las – especialmente se favorecem os agentes do caos, como o Hamas ou o Irã.

Se Israel cometer crimes de guerra, é justo que pague. Mas, para que a justiça seja feita e os esforços pela paz não sejam implodidos, a imprensa, as mídias sociais e as autoridades também precisam exercer seu dever de autocontenção.l