A eleição de 2024 consolidou a inclinação do País à centro-direita e o enfraquecimento da esquerda. Eis o quadro mais amplo e nítido do que emergiu das urnas no dia 6 passado. Mas cabe refinar a análise. Essa direita que saiu fortalecida do pleito mostrou ser muito maior do que Jair Bolsonaro, alguém que até pouco tempo atrás era tratado como o líder incontornável de todo esse campo político. A esquerda, por outro lado, provou ser muito menor do que Lula da Silva. Há décadas, o petista é o centro de gravidade do chamado “campo progressista” e sufoca o surgimento de lideranças que ameacem seu protagonismo. Somado a isso, o apego a ideias emboloradas é tão ou mais responsável pela debacle da esquerda quanto a egolatria do presidente da República.
Comecemos pela direita. O triunfo político do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi determinante para a chegada de Ricardo Nunes (MDB) ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, é a evidência mais vistosa de que a direita não depende mais de uma associação explícita à figura de Jair Bolsonaro para conquistar votos. A bem da verdade, Nunes chegou ao segundo turno a despeito de Bolsonaro e da toxicidade que vem a reboque da aproximação com o ex-presidente. Mais bem dito: a dubiedade de Bolsonaro, que ora manifestava apoio mais direto a Ricardo Nunes, ora acenava para o delinquente Pablo Marçal (PRTB) ao longo da campanha, favoreceu o prefeito da capital paulista.
Bolsonaro ainda é capaz de mobilizar milhões de eleitores e, sobretudo, obter sucesso em sua empreitada familiar de distribuir a prole por Parlamentos País afora, mantendo a política como o principal meio de enriquecimento de seu clã. Um movimento como o bolsonarismo, afinal, não acaba de um dia para o outro. Dito isso, Bolsonaro já não representa, nem remotamente, aquela onda avassaladora que tomou o País de assalto em 2018. A rigor, já na eleição de 2020, quando ele era o presidente da República, seu desempenho como cabo eleitoral já dava sinais de fraqueza. Basta dizer que, dos 13 candidatos a prefeito que foram apoiados explicitamente por Bolsonaro em suas lives naquele ano, 11 foram derrotados.
O ex-presidente é incapaz de oferecer aquilo que em política é tratado como um ativo valiosíssimo: perspectiva de poder. Não há nada no horizonte conhecido que indique que Bolsonaro aparecerá na urna em 2026, por mais que ele acredite nisso, o que está mais para delírio do que para cenário. Bolsonaro, hoje, é só um retrato na parede. E essa é uma excelente notícia para a democracia brasileira. Afinal, com Bolsonaro fora do páreo eleitoral, a direita, enfim, pôde se livrar de seu sequestrador. Nesse sentido, não surpreende a vitória expressiva de candidatos a prefeito vinculados a uma direita mais civilizada e democrática, mais pragmática e menos ideológica, na primeira eleição após Bolsonaro ter sido condenado à inelegibilidade.
No campo oposto, está claro que, à falta de Lula da Silva, o PT – que por seus próprios méritos é incontestavelmente o grande partido de esquerda do Brasil há bastante tempo – caminhará a passos largos para se tornar um partido de nicho, se tanto. A despeito do fato de Lula da Silva ter voltado à Presidência, o PT conseguiu a proeza de, dois anos depois, eleger menos prefeitos do que o PSDB, um partido que, como se vê, está em decomposição a céu aberto. A partir de 1.º de janeiro de 2025, 274 cidades do País serão governadas por tucanos, ante as 260 que serão administradas por petistas.
A direita se diversificou nesta eleição e conquistou uma certa independência de Jair Bolsonaro. A esquerda encolheu e provou que segue totalmente dependente de Lula da Silva e nem assim consegue obter vitórias expressivas em disputas para cargos do Poder Executivo. A explicação para esse fenômeno, digamos assim, é muito simples: quem já foi governado pela esquerda, sobretudo pelo PT, quer distância de governos de esquerda.