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A dor do parto na Argentina

País entra em recessão, consequência do ajuste que vai testar o governo de Javier Milei

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Por Notas & Informações
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A semana passada foi a melhor do governo de Javier Milei em seis meses, e a mais intensa. No Congresso argentino, o Senado aprovou reformas ambiciosas; fora, ativistas queimavam carros e atiravam pedras. Um retrato da tensão que pode quebrar seu governo ou romper a hegemonia peronista.

Após décadas de estatismo, protecionismo e clientelismo, é difícil superestimar a disfuncionalidade da economia argentina. Com sistemas de controle de preços insustentáveis e incontinência fiscal alimentada por dinheiro impresso pelo Banco Central, o país bateu recordes de recessão, hiperinflação e calotes. As reservas internacionais evaporaram.

Para seu crédito, Milei não apelou ao crônico vício no pensamento mágico. “No hay plata”, disse em sua posse. Em outros países, sua grosseira “motosserra” seria uma irresponsabilidade. Na Argentina era uma necessidade. O corte de gastos foi brutal. Milei tirou da tomada a máquina de imprimir dinheiro e depreciou o peso. Seguiram-se o superávit e a queda da inflação, mas também a recessão.

O pacote aprovado no Senado contém medidas de liberalização, incentivos a investimentos estrangeiros, privatizações, aumento de receita e poderes extraordinários para cortar gastos, eliminar regulações e flexibilizar regimes trabalhistas. É bem menos do que Milei queria e ainda voltará à Câmara para revisão. Mas foi sua maior vitória política e mostrou que “El Loco” é capaz de negociar com o establishment.

A primeira fase do governo terminou com relativo sucesso. Mas o desafio maior está por vir. Milei precisa decidir o futuro do Banco Central (que prometeu fechar) e do peso (que prometeu substituir pelo dólar). Há indícios de que o peso esteja de novo sobrevalorizado, o que afasta turistas, encarece exportações e dissuade investidores. Milei se inclina ao que chama de “dolarização endógena”: fixar limites para a oferta de pesos e apostar que os argentinos tirarão seus dólares do colchão quando a economia precisar. Essa heterodoxia dificultaria mais empréstimos do FMI, que, assim como a equipe econômica de Milei, favorece um sistema similar ao peruano de “competição de moedas”, em que os dólares coexistem com uma moeda cuja oferta é ajustada pelo Banco Central.

Por ora, permanece a incerteza. Mas o maior desafio é político: manter o apoio de centristas e da oposição moderada. Cerca de metade dos argentinos ainda apoia Milei. Mas até quando tolerarão as dores da austeridade e da recessão?

As eleições mostraram que os argentinos queriam mudanças dramáticas. E conseguiram. As dúvidas são se aguentarão o tranco, se Milei optará pelo pragmatismo ao invés da ideologia e se conseguirá negociar com a comunidade política e mobilizar a sociedade para viabilizar as reformas necessárias. O caminho é longo, mas o tempo é curto. As eleições de 2025 podem marcar o endosso ou a rejeição. No último caso, Milei será constrangido a escolher entre combater, sem força, por uma agenda liberalizante ou acomodar interesses de setores que se beneficiaram de uma economia disfuncional, ou seja, optar entre a estabilidade política e a sanidade econômica.

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