O Fundo Eleitoral se cristalizou como mais uma excrescência do sistema político brasileiro. Criado para reduzir a influência de empresas no processo eleitoral depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu as doações de pessoas jurídicas, o fundão só aumentou de tamanho nos últimos anos e sempre em proporções exponenciais. De R$ 1,7 bilhão em 2018, subiu a R$ 2 bilhões em 2020 e atingiu o recorde de R$ 4,9 bilhões neste ano. Dirigentes partidários e parlamentares argumentam que a democracia “tem um custo”, ainda que isso consuma a verba destinada a políticas públicas custeadas pelo Orçamento, e sustentam que um valor menor não seria suficiente para bancar as campanhas deste ano. Agora, antes mesmo das eleições, o Estadão revelou a quem e para que têm servido esses recursos: candidaturas fantasmas.
Reportagem publicada há poucos dias mostrou que os dirigentes partidários repassaram R$ 5,8 milhões do fundo para candidatos que praticamente não fizeram campanha, neófitos na disputa ou que tiveram votação pífia em pleitos anteriores. Nomes que não foram divulgados nem mesmo em redes sociais, muito menos em santinhos impressos, fizeram jus a valores vultosos, em circunstâncias excêntricas quando comparadas ao tratamento conferido a raposas do mundo político. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, recebeu R$ 2 milhões para sua reeleição. Lira conta com outdoors, slogan musical e um número de fácil fixação, estrutura que evidencia o quanto o partido de fato investe em seu nome. O valor repassado a Lira, no entanto, foi inferior aos R$ 3 milhões transferidos a Adriana Mendonça, candidata a deputada federal pelo PROS no Amazonas e que ocupa o 14.º lugar entre os maiores beneficiários do fundão.
A situação de Adriana, que conquistou 41 votos quando concorreu ao cargo de deputada estadual em 2018, já seria altamente suspeita, não fosse o fato de o próprio presidente do PROS no Amazonas, Edward Malta, admitir o papel que ela tem prestado neste ano – linha auxiliar do ex-marido, que disputa o governo do Estado. “O recurso vai ser usado na campanha do governador, do vice, de todos os candidatos”, disse. Não é um caso único. Há exemplos semelhantes em diversos partidos e Estados, com distribuição de verbas até mesmo para quem abandonou a disputa ou teve a candidatura indeferida.
Os valores repassados pelos dirigentes partidários por meio do Fundo Eleitoral variam em magnitude, mas se há algo em comum a essas candidaturas fantasmas é a preferência por mulheres. O fenômeno expõe as distorções geradas por legislações que tentam ampliar a representação política das mulheres no Legislativo e a enorme diferença entre o discurso público e a prática interna das siglas. Uma das leis delas prevê que as mulheres sejam no mínimo 30% das candidaturas proporcionais; outra obriga a distribuição de 30% da verba do fundão para candidaturas femininas. Longe de representar um investimento concreto para ampliar a presença das mulheres no Legislativo, esses recursos têm sido usados para financiar, de forma irregular, as campanhas nas quais as siglas realmente apostam – quase sempre lideradas por homens.
Esse é apenas um dos aspectos nefastos do Fundo Eleitoral. Há muitos outros, como o fato de que as legendas abrem mão de lançar candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais para priorizar as eleições proporcionais, uma vez que o tamanho da bancada de deputados federais na Câmara é o critério de maior peso na distribuição dessa verba. O fundão garantiu um tratamento privilegiado do erário aos partidos e os dispensou, enquanto organizações privadas, de buscarem contribuições com membros e simpatizantes. A recente revelação do Estadão é apenas uma amostra de algo maior, que exige apuração célere e punição exemplar por parte da Justiça Eleitoral, responsável pelo julgamento dos demorados processos de prestação de contas das campanhas. Aos dirigentes partidários, cabe uma incômoda pergunta: é para isso que o Fundo Eleitoral foi criado?