O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou que a dívida bruta brasileira na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) deve aumentar mais de 10 pontos porcentuais ao longo do mandato do presidente Lula da Silva, de 83,9% do PIB, no fim de 2022, para 94,7% do PIB, em 2026. Superávit primário, se houver, só a partir de 2027, e bastante modesto – o equivalente a 0,1% do PIB.
A relação entre dívida e PIB é um indicador importante para aferir a solvência de um país e comparar sua situação à de outras nações semelhantes. No caso brasileiro, o endividamento, segundo os critérios do Fundo, subiu de 86,7% do PIB no relatório divulgado em abril para 87,6% do PIB no de outubro. E até 2029, a dívida na proporção do PIB chegará a 97,6%.
Antes mesmo dessa revisão, o indicador brasileiro já destoava da média dos países emergentes, hoje em 70,8%, atrás apenas de China, Egito, Ucrânia, Bahrein e Argentina. Mas o alerta do FMI não vale somente para o Brasil. A dívida bruta global deve atingir 93% do PIB, em média, e superar US$ 100 trilhões neste ano. Até 2030, ela deve alcançar 100%, 10 pontos porcentuais acima do registrado em 2019, um ano antes da pandemia.
Com a covid-19, países desenvolvidos e emergentes aumentaram gastos para lidar com os desafios sanitários e evitar que suas economias desabassem. O estímulo resultou em inflação elevada e juros mais altos. Para completar, tensões geopolíticas ampliaram incertezas no mundo todo.
A receita mais segura em um cenário turbulento, segundo o FMI, é apostar na credibilidade e na transparência das políticas fiscal e monetária. Para o Fundo, é preciso aproveitar o ciclo de flexibilização da política monetária nas principais economias do mundo para elaborar políticas fiscais cuidadosas, que protejam as famílias mais vulneráveis e não prejudiquem o crescimento. Do contrário, os ajustes necessários terão de ser bem mais duros no futuro.
As projeções do FMI para a dívida brasileira foram mal recebidas pelo governo, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse esperar que esse cenário não se concretize. “Não acredito nessa trajetória. Se você está descrevendo o que está no documento, eu não acredito que ela vá acontecer”, afirmou o ministro, em entrevista a jornalistas em Washington.
Um dia antes, quando o FMI melhorou a estimativa para o crescimento do PIB de 2,1% para 3% neste ano, a receptividade foi muito diferente. Haddad celebrou a revisão sem questioná-la, negou que o avanço estivesse relacionado ao estímulo fiscal do governo e não deu muita atenção à previsão do FMI para o PIB de 2025, embora o crescimento tenha sido reduzido de 2,4% para 2,2%.
A questão é que o crescimento econômico, no caso brasileiro, tem sido muito influenciado pelo consumo, o que tem tudo a ver com o aumento da dívida bruta. Dados do Banco Central (BC), embora calculados de forma um pouco diferente, corroboram a trajetória traçada pelo FMI.
Pelo critério do BC, a dívida bruta atingiu 78,55% do PIB em agosto, o maior patamar desde outubro de 2021, quando ela estava em 79,5% do PIB. Desde janeiro deste ano, a dívida bruta calculada pelo BC já subiu 4,1 pontos porcentuais, e desde o início do governo Lula da Silva, quase 7 pontos porcentuais.
No FMI, Haddad defendeu o arcabouço fiscal como instrumento para conter a trajetória da dívida e seu fortalecimento como a melhor maneira de dissipar a desconfiança do mercado. O único gasto que teria ficado fora do arcabouço, de acordo com o ministro, teria sido o novo Auxílio Gás, rebatizado de Gás para Todos, que será redesenhado pela Fazenda. Ora, se isso fosse verdade, a dívida bruta não teria subido tanto em tão pouco tempo.
Ao contrário do que acontece nos países ricos, o Brasil acaba de iniciar um novo ciclo de aumento da taxa básica de juros, o que só reforça a recomendação do FMI sobre a necessidade de um ajuste fiscal e a projeção do fundo de desaceleração da economia no ano que vem. Mais do que nunca, impedir que a profecia do FMI se realize requer alinhamento entre as políticas fiscal e monetária.