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A falência de um Estado em tempo real

A selvageria no Equador é só um episódio do teatro de horrores do narcotráfico na América Latina. O Brasil é protagonista-chave e, se não for implacável na repressão, pode mergulhar no caos

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Por Notas & Informações
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O assassinato de um dos candidatos à presidência do Equador, Fernando Villavicencio, é só o episódio mais recente e dramático de uma tragédia a que o mundo assiste em tempo real: o desmoronamento do Estado Democrático de Direito e a ascensão de um narcoestado.

No último mês foram assassinados um prefeito e um secretário municipal. Um candidato à Assembleia sofreu um atentado. A saraivada de balas que matou Villavicencio na saída de uma escola deixou nove feridos, entre eles um candidato legislativo. No dia seguinte, outra candidata foi alvejada.

Jornalista, Villavicencio se notabilizou por denunciar a corrupção política. “O Equador está praticamente submerso no crime organizado”, disse em entrevista ao Financial Times. “Declararei guerra às economias criminosas e essa é uma estratégia central da campanha.” Supostos líderes da facção Los Lobos reivindicaram o crime como uma retaliação por “promessas” não cumpridas. Seja lá o que as investigações apurem, quando um presidenciável cercado por uma escolta policial é morto à luz do dia, a 11 dias das eleições, mais que um acerto de contas ou a execução de um adversário, trata-se de um recado a todos os políticos e à população: vocês podem brincar de democracia, mas quem manda somos nós.

Como outros países latino-americanos, o Equador prosperou no ciclo das commodities. Passado o boom, a crise fiscal, o desemprego, a instabilidade política, a corrupção e forças de segurança precárias revelaram-se um terreno fértil para narcotraficantes do país e de fora, como mexicanos e albaneses. Outrora um enclave pacífico entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo, a Colômbia e o Peru, o Equador ultrapassou as taxas de homicídio da Colômbia, do México e do Brasil. Em quatro anos, essas taxas, que eram de 5,6 por 100 mil habitantes, uma das mais baixas da América Latina, quadruplicaram. Tiroteios em portos, massacres em presídios, corpos decapitados pendurados em pontes, sequestros, carros-bomba, crianças mortas a tiros diante de suas casas ou escolas tornaram-se rotina. A segurança é a maior preocupação dos eleitores, e candidatos os seduzem com propostas autoritárias.

O Equador é só um dos palcos do festival de selvageria latino-americano. No ano passado, o principal procurador antidrogas do Paraguai foi executado. No Uruguai, 14 cadáveres apareceram num período de 10 dias. Nas eleições mexicanas de 2021, mais de 80 políticos foram mortos. Segundo o Escritório da ONU para Drogas, só três nações latino-americanas não são “países principais de fonte e trânsito” de cocaína.

Nesse teatro de horrores, o Brasil é protagonista. As similaridades com o Equador são pavorosas. Lá como aqui, as facções recrutam e operam dos presídios, tornaram-se grandes exportadoras de drogas para países ricos e estão se internacionalizando em parcerias com as máfias desses países. Entre 2015 e 2019, as apreensões anuais de cocaína nos portos passaram de 1,5 tonelada para inacreditáveis 67 toneladas. Na Amazônia e centros urbanos, o crime organizado diversifica suas operações em grilagem, extorsão, serviços ilegais ou contrabando, infiltrando-se nos mercados e elegendo políticos. A violência política se agrava a cada eleição. Quase todo o território da cidade do Rio de Janeiro está sob domínio ou disputa das milícias e facções. Como advogam pesquisadores do Fórum de Segurança Pública, é a dinâmica dessas organizações, e não as políticas públicas, que determina a oscilação das estatísticas de violência. O Brasil está sentado sobre um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

“Não entregaremos o poder e as instituições democráticas ao crime organizado, ainda que ele se disfarce de organizações políticas”, disse o presidente do Equador, Guillermo Lasso. Mas, quando um chefe de Estado fala nesses termos, é indisfarçável que parte desse poder e instituições já foi sequestrada. O Brasil está longe do caos em que mergulhou o Equador, mas isso não significa que não avance na mesma direção. Ainda há tempo de desarmar essa bomba-relógio. Mas o ponteiro não para de rodar.