Finalmente um passo concreto foi dado pelo Ministério da Educação (MEC) para acabar com a farra da Educação a Distância (EAD) no Brasil, ao publicar portaria que suspende os processos de autorização de novos cursos superiores e credenciamentos de universidades para essa modalidade – incluindo cursos como Direito, Medicina e todas as licenciaturas. A farra, neste caso, não é mera força de expressão: há algo de muito estranho no ensino superior quando se constata que o número de graduações não presenciais no País aumentou 700% em dez anos, conforme mostrou recentemente o Estadão. A expansão dessa modalidade, como acertadamente disse o ministro Camilo Santana, é alarmante e desafiadora. Agora o MEC tenta pôr um freio de arrumação.
O ritmo de criação de novos cursos na chamada EAD tem crescido desde o ano 2000, mas se tornou especialmente veloz a partir de 2018, graças a um decreto editado no ano anterior pelo então presidente Michel Temer. A norma flexibilizou a abertura de polos de educação a distância, com uma premissa inicial razoavelmente bem-intencionada: há especialistas que enxergam na modalidade uma opção para alunos mais vulneráveis. A ampliação do seu acesso era, e ainda pode ser, um resultado educacional a ser comemorado e aplaudido. Mas, como dizia São Bernardo de Claraval, de boas intenções o inferno está cheio: a medida não só permitiu que de lá para cá houvesse um crescimento de quase 200% na oferta de cursos nessa modalidade, como abriu a porteira para cursos e iniciativas de qualidade duvidosa.
Embora não afete graduações que já estejam em funcionamento, a suspensão permitirá uma cuidadosa revisão dos processos de criação de cursos e da própria regulamentação da modalidade. Há nuances envolvidas. Se de um lado é preciso preservar os diques de contenção para evitar a abertura generalizada, sem critério e de baixa qualidade, por outro lado convém reconhecer que a educação a distância facilita a vida de estudantes e trabalhadores. Identificar qual boa formação profissional pode se dar nessa modalidade e qual se mostra incompatível com o ensino não presencial parece ser uma condição fundamental para respeitar limites e oportunidades. Difícil imaginar que bons médicos e bons advogados, para citar algumas das carreiras mais procuradas no País, possam ser formados com aulas 100% virtuais, precarizadas e assíncronas, sem interação.
O problema, contudo, não para aí. O crescimento da EAD tem se mostrado especialmente inquietante nas licenciaturas. Há pouco menos de um mês, um conjunto de entidades questionou, em carta aberta ao MEC, a qualidade da formação inicial de professores e chamou a atenção justamente para a oferta de cursos inadequados. O ensino a distância é um dos grandes vilões da inadequação e da desvalorização da profissão docente, além da baixa qualidade de muitos cursos em qualquer modalidade (presencial ou não), segundo a carta assinada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Conselho Municipal de Secretários de Educação das Capitais (Consec), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Frente Parlamentar Mista da Educação, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Academia Brasileira de Ciências, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Todos Pela Educação.
Os números, nesse caso, são ainda mais eloquentes do que a média geral do ensino superior. Em 2022, segundo levantamento do Todos Pela Educação, 65% dos alunos que concluíram os cursos de formação inicial docente o fizeram na EAD, quando a média dos demais cursos foi de 31%. Em 2010, esse índice era de 35%. Um assombro para uma formação que requer tempo, discussões aprofundadas sobre a docência, vivência nas escolas, desenvolvimento de habilidades relacionais, simulações de situações reais a serem vividas pelos futuros professores e articulação entre teoria e prática. Pouco ou nada disso é permitido pelos cursos a distância.
A conclusão é inevitável: o que deveria ser exceção e complementar como estratégia de formação se tornou a regra.