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A guerra de Bibi

A retomada do conflito em Gaza é politicamente conveniente para o premiê de Israel

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Por Notas & Informações
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Na terça-feira, Israel literalmente implodiu o cessar-fogo com o Hamas pactuado em janeiro. Integrantes do grupo terrorista afirmam que o bombardeio deixou mais de 400 mortos, no que seria o dia mais letal na guerra desde novembro de 2023.

A trégua sempre foi frágil, e desde que a primeira de suas três fases terminou, em 1.º de março, depois da troca de alguns reféns israelenses por centenas de presos palestinos, ela estava no limbo. Na segunda fase, o Hamas deveria devolver os 59 reféns restantes (vivos e mortos) em troca da retirada das tropas de Israel, mas as negociações não avançaram.

O governo de Israel acusa o Hamas de recusar repetidas vezes a liberação dos reféns, o que é verdade. Mas Israel também se recusou a negociar garantias para a retirada de suas tropas, restringindo-se a advogar por uma extensão da primeira fase tal como sugerida pelos mediadores dos EUA. Se houve má vontade do Hamas, também houve de Israel.

Na verdade, houve vontade deliberada do governo de Benjamin Netanyahu de mandar pelos ares as possibilidades diplomáticas quando ainda existiam. O Hamas está mais isolado do que nunca, sem o apoio do Hezbollah. Seus aliados houthis estão sob pressão militar dos EUA, e Teerã está sob pressão diplomática.

O desenho do cessar-fogo nunca foi totalmente compatível com o objetivo do governo israelense de destruir o Hamas, mas a retomada das hostilidades a toda força não era justificável como estratégia para atingir o objetivo imediato de libertação de reféns. Por outro lado, é compreensível como tática de sobrevivência política de Netanyahu.

A ala de extrema direita que sustenta sua coalizão nunca aceitou a trégua e parece tolerar o sacrifício dos reféns como um efeito colateral da destruição do Hamas e da ocupação de Gaza. Com a retomada da guerra, os extremistas que haviam abandonado o governo retornaram, garantindo a Netanyahu a maioria necessária para aprovar o orçamento nas próximas duas semanas, sem o qual seu governo cairia. Perpetuar a guerra é uma maneira de perpetuar o governo.

Os líderes do Hamas têm pouca margem de manobra: eles podem sucumbir e liberar os reféns em troca de sua vida e possivelmente o exílio, ou serem mortos com outros civis palestinos. Dado o relativo descaso do governo Netanyahu com os reféns israelenses, o Hamas tem poucos incentivos para mantê-los vivos. Desde terça-feira as ruas de Israel foram tomadas por manifestantes revoltados com o governo Netanyahu e suas táticas.

Ninguém pode dizer como isso terminará. A melhor alternativa ainda seria a ocupação de Gaza por uma força árabe ou multinacional apoiada pelos EUA. Mas, sem perspectivas concretas disso, a trajetória mais provável é uma ocupação israelense por tempo indeterminado.

O que acontecerá de agora em diante? “Tudo o que sabemos com certeza é que a continuação da guerra põe em risco as vidas dos reféns israelenses remanescentes, a população de Gaza, os soldados de Israel e os voluntários humanitários”, resumiu Jonathan Panikoff, especialista em Oriente Médio do instituto Atlantic Council. “Não há respostas boas; só as ruins e as piores. Logo descobriremos qual delas a retomada da guerra implica.”