Em viagem ao Norte, o presidente Lula abordou a possibilidade de explorar petróleo na Margem Equatorial. “É uma decisão que o Estado brasileiro precisa tomar, mas o que a gente não pode é deixar de pesquisar. Primeiro, temos de pesquisar se tem aquilo que a gente pensa que tem lá. E quando a gente achar, a gente vai tomar uma decisão do Estado brasileiro – o que a gente vai fazer, como é que a gente pode explorar.”
Como se sabe, o Ibama negou à Petrobras uma perfuração para sondar a existência de petróleo em um bloco a 160 km da costa e a mais de 500 km da foz do Amazonas. Ele integra uma extensão de bacias da Guiana ao Rio Grande do Norte, que, com potencial próximo ao do pré-sal, pode ser a nova fronteira energética brasileira.
O Ibama justifica a negativa com base em “inconsistências preocupantes para a operação segura” em uma área de “alta vulnerabilidade socioambiental”. O órgão tem legitimidade e autonomia para tanto, e, nesse sentido, o ônus da prova é da Petrobras. Por outro lado, quando Lula diz que é “difícil” haver problemas porque é uma área “a 530 km de distância da Amazônia”, exprime o senso comum. Desde 2015, 24 petrolíferas atuam na costa da Guiana e do Suriname em 60 pontos de exploração, sem nenhum incidente. É difícil para o cidadão comum conceber por que uma empresa com a excelência da Petrobras não poderia fazer o mesmo com até mais segurança – tanto mais em se tratando de uma única perfuração exploratória. Neste sentido, o ônus da prova é do Ibama.
Em nenhuma extração petrolífera ou mineral há risco zero. O Ibama tem competência para identificar projetos viáveis ou inviáveis com base na avaliação de riscos, respectivamente, mínimos ou máximos. Mas entre os dois polos há um risco médio. Nessa zona cinzenta, a decisão é não só técnica, mas política, quer dizer, cabe ao povo, por meio de seus representantes eleitos, decidir se assume riscos potenciais em prol de ganhos reais. E esses ganhos são possivelmente imensos. Entre 2015 e 2021, o PIB da Guiana quase dobrou, de US$ 4,1 bilhões para mais de US$ 8 bilhões. Hoje o país tem o quarto maior PIB per capita das Américas. Nos últimos dois anos o PIB saltou quase 100% e nos próximos dois deve saltar mais 100%.
O problema é que a zona cinzenta de discricionariedade política é também sujeita à intromissão ideológica. Boa parte da militância ambientalista considera a combinação Amazônia + petróleo – ainda que já haja extração na própria floresta e a perfuração solicitada seja a centenas de quilômetros da foz – inexoravelmente catastrófica, e há indícios de que o Ibama e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, levaram em conta esses humores para transformar a controvérsia em uma espécie de cause célèbre. Não é só que a Margem já seja explorada com segurança em outros países, mas o próprio Ibama participou do comitê que autorizou, há dez anos, a oferta de mais de 40 blocos na região que agora diz ser inviável.
Mas a combinação Amazônia + petróleo não só não é necessariamente destrutiva, como pode ser extremamente benéfica, não só socialmente, mas ambientalmente. Não há lugar para o petróleo nas matrizes energéticas do futuro, mas no presente ele ainda é o maior combustível do crescimento econômico. A Guiana é um dos países que avançam mais aceleradamente no Índice de Desenvolvimento Humano. A melhor maneira de erradicar crimes ambientais, mais do que a repressão, é investir recursos em uma economia sustentável que dissuada as populações locais de apelarem a práticas predatórias para garantir a prosperidade de suas famílias. Com mais dinheiro em caixa, aumenta também a capacidade da Petrobras de investir em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas.
É a essas possibilidades que Lula se refere quando diz às populações do Norte que podem “continuar sonhando”. E quando diz que a negativa do Ibama “não é definitiva”, age como chefe de Estado, convocando os membros de seu governo, sobretudo o Ministério do Meio Ambiente, a buscar soluções de compromisso para maximizar benefícios sociais e ambientais.