Depois de uma campanha eleitoral defendendo a necessidade de um governo formado por uma frente ampla e depois de um discurso da vitória no segundo turno afirmando que “esta não é uma vitória minha nem do PT”, é absolutamente decepcionante para o País verificar a composição dos Ministérios que vai sendo delineada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Todos os postos decisivos estão a cargo do PT ou de gente que, por mais que esteja circunstancialmente em outra legenda, sempre teve e continua tendo a mesma visão do PT. Desenha-se, portanto, um governo radicalmente petista, justamente o contrário daquilo que foi repetidas vezes prometido.
A rigor, ninguém pode dizer que está surpreso com tal situação. O passado petista nunca possibilitou qualquer esperança de um governo do PT politicamente aberto e plural. Ao longo da história da legenda, observa-se uma firme constante: sempre consideraram que eles, apenas eles, têm as soluções para o País. Todo o restante do mundo político estaria equivocado. Não teria nada a acrescentar na discussão e no desenho das políticas públicas.
Daí se entende que a brutal e irracional oposição do PT ao governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, não foi mera tática circunstancial. A legenda nunca foi capaz de enxergar nada de bom além de suas linhas. A partir daí entende-se também, por exemplo, o esquema do mensalão. Para o PT, os outros partidos, desprovidos de ideias e propostas, seriam apenas peças de manobra disponíveis para compra. E sendo apenas as suas “soluções” boas para o País, os petistas ainda consideram que esse sistema criminoso e antidemocrático de compra de apoio político estaria plenamente justificado.
Não há, portanto, nenhuma novidade na composição que vai se delineando para o terceiro governo de Lula. É o PT sendo o PT. De toda forma, diante das grandes necessidades do País neste momento, não deixa de ser frustrante – reiteradamente frustrante – constatar que Lula e seu partido não entenderam nada, não aprenderam nada, não mudaram nada.
Nessa composição ministerial dominada pelo PT, há um fato especialmente preocupante. Não é que Lula esteja “apenas” descumprindo a sua principal promessa de campanha, o que, por si só, é grave. No regime democrático, o eleitor merece mais respeito. A monocromia político-ideológica dos Ministérios expressa uma profunda incompreensão do atual País a ser governado e dos desafios que terá pela frente.
Formar um governo de frente ampla não é uma concessão política que Lula deveria fazer em razão das circunstâncias excepcionais da campanha eleitoral. Não é uma ação voltada para o passado. Uma real e efetiva frente ampla é requisito para que o novo governo possa ser minimamente bem-sucedido em suas duas tarefas fundamentais e complementares: promover desenvolvimento social e econômico e promover a pacificação nacional. Insistir no lulopetismo implantado entre 2003 e 2016 é fornecer todas as condições para a reprodução e o fortalecimento do bolsonarismo.
O reconhecimento da necessidade de uma frente ampla não significa tirar ou reduzir o poder de o presidente eleito formar seu governo tal como ele entende que deve ser formado. Nas urnas, o eleitor conferiu-lhe essa atribuição. Goste-se ou não, a partir de 1.º de janeiro de 2023 o presidente da República será Luiz Inácio Lula da Silva. E, respeitando os limites e requisitos legais, ele tem direito a indicar quem ele quiser. O ponto é outro. Seja quem for, um presidente da República não tem direito de ignorar as necessidades nacionais, de desconhecer a complexidade social, política e econômica do país, de achar que seu partido se basta. Numa palavra, um chefe de Estado e de governo não pode se dar ao luxo de ser irresponsável. O poder não é arbítrio. Foi exatamente isso o que fez Jair Bolsonaro – e que tantos males causou ao País.
O grande apelo do eleitor nas eleições de 2022 foi a defesa da democracia. Não cabe defraudá-lo. Democracia exige participação, o que inclui uma tarefa inédita para o PT: ceder poder.