O pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), seja declarado impedido de atuar no caso envolvendo Eike Batista é mais um exemplo de reação exagerada por parte do Ministério Público (MP). Janot alega que a esposa de Gilmar Mendes integra banca de advogados “que prestaria serviços” a Eike Batista, o que comprometeria a imparcialidade do ministro.
Mais do que manifestar zelo pelo cumprimento da lei, o pedido de Janot coaduna-se perfeitamente com a tentativa de parte do Ministério Público de utilizar a Operação Lava Jato para denunciar a generalizada podridão existente nas instituições nacionais. Tudo estaria podre no País. Trata-se de uma manobra insidiosa, pois se utiliza de uma coisa boa, como é a Lava Jato, para uma finalidade política no mínimo questionável e certamente estranha às competências institucionais do Ministério Público.
Não é tarefa da Lava Jato denunciar as instituições ou promover um movimento de repúdio aos poderes constituídos. Cabe-lhe investigar com diligência todas as suspeitas e denúncias levantadas, sem poupar nenhum criminoso nem incriminar nenhum inocente. É um trabalho sério, que exige extremo cuidado e pode trazer, como já trouxe, muitos benefícios ao País.
Por mais que impressione a extensão dos crimes revelados pela Lava Jato, eles não legitimam, no entanto, que membros do Ministério Público utilizem a operação para fins políticos, difundindo a ideia de que tudo está podre, exceto – é o que parece afirmarem – o Ministério Público, que seria, assim, o salvador da pátria.
A realidade não é bem essa. Nem tudo está podre nem o Ministério Público é o suprassumo da pureza e da inocência. Caso se lhe apliquem as lentes que alguns do MPF querem impor às outras instituições, perde também ele imediatamente seu odor de santidade. Como revelou o site Consultor Jurídico, a filha do indignado Janot é advogada e tem como clientes, em diferentes casos na Justiça Federal e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Braskem, petroquímica controlada pela Odebrecht, a construtora OAS e a Petrobrás.
O caso mostra como é fácil avaliar distorcidamente as situações, no intuito de produzir escândalos. É mais que hora de agir com prudência e temperança. E isso, é preciso repetir, não é o mesmo que insinuar – e muito menos garantir – impunidade ao crime e a ilegalidades. Trata-se apenas de olhar as coisas com realismo.
A Lava Jato é muito importante e produziu – e deve continuar a produzir – efeitos moralizadores. A operação não é, porém, a salvação nacional. A prioridade é tirar o País da crise, assegurando a retomada do desenvolvimento econômico e social, num ambiente moralmente sadio. Reconhecer essa realidade não diminui a importância da operação. Afinal, ela é uma persecução criminal. E a vida nacional vai muito além da mera elucidação e punição de crimes cometidos por empreiteiras e políticos, por mais importantes que sejam.
A Lava Jato não pode se converter, como às vezes parece ocorrer, numa ideologia. Hoje Lula da Silva deverá ser ouvido em Curitiba. Muita gente tem tratado esse depoimento como se fosse o momento máximo de redenção nacional. Sem dúvida, o evento é importante para Lula da Silva, já que o processo penal pode lhe render algumas consequências que ele achava que jamais o atingiriam. A lei é para todos e, nesse sentido, a Lava Jato tem um sentido pedagógico exemplar. Mas cada etapa dos processos da Lava Jato não pode paralisar o País.
Sendo importantes, os atos da Lava Jato não podem substituir a verdadeira prioridade nacional. Há uma profunda crise econômica, social, política e moral, que precisa com urgência ser combatida. Reconhecer essa hierarquia de valores não é um apoio velado à impunidade. É simplesmente não fechar os olhos, por exemplo, aos 14 milhões de desempregados. É não ignorar que, sem a aprovação das reformas em curso no Congresso, o Tesouro estará exaurido em 2022 (ver abaixo o editorial Reforma ou desastre).
É perniciosa a tentativa de transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional. Além de não tirar o País da crise, esse modo de conduzi-la, como se tudo estivesse podre – como se os poderes constituídos já não tivessem legitimidade para construir soluções –, inviabiliza a saída da crise.