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A improvável meta fiscal

Acionamento dos impopulares gatilhos do arcabouço será o maior teste da credibilidade de Haddad

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Por Notas & Informações
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A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado reviu para cima sua estimativa inicial para as receitas geradas pelas medidas aprovadas pelo Congresso no ano passado. O órgão, que previa uma arrecadação extra de R$ 105,3 bilhões para este ano, elevou a projeção para R$ 130,4 bilhões na edição do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de fevereiro. A nova previsão, no entanto, ainda corresponde a menos da metade dos R$ 274,7 bilhões que o Executivo espera obter no ano em que se propõe a zerar o déficit primário.

Os cálculos da IFI não foram exageradamente pessimistas, ao contrário. Para a instituição, a tributação dos fundos exclusivos, aprovada no fim do ano passado, deve render R$ 24,6 bilhões, bem mais que os R$ 13,3 bilhões previstos pelo próprio governo. Muitas das projeções da entidade correspondem exatamente àquelas que o Executivo calculou, como a arrecadação esperada com a taxação das apostas de quota fixa e com a reoneração dos combustíveis.

As inconsistências são as mesmas já mencionadas pela IFI em edições anteriores do relatório. O governo espera arrecadar R$ 35,3 bilhões com a cobrança de tributos federais em operações de subvenção estadual, bem mais que os R$ 7,6 bilhões considerados pela instituição, e recuperar R$ 97,9 bilhões em créditos em disputa no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), muito mais que os R$ 32,3 bilhões projetados pelo órgão. Do lado das despesas, a IFI acredita que o Executivo subestimou os desembolsos que terá com benefícios previdenciários em nada menos que R$ 24,1 bilhões.

Chama a atenção a insistência do governo em desprezar a renúncia gerada pela desoneração da folha de pagamento, aprovada pelo Congresso no ano passado. A IFI, de maneira prudente, estima uma renúncia de R$ 20 bilhões, mas o Executivo projeta uma perda de apenas R$ 5,6 bilhões – cenário que só seria factível se a medida provisória que reonera os 17 setores fosse aprovada pelo Congresso sem qualquer mudança.

Tal obstinação só se explica pela guerra que a Fazenda trava para manter a meta de déficit zero neste ano. Tudo que o ministro quer é postergar ao máximo a necessidade de contingenciar despesas, mesmo que os números só tenham validade no papel. Nas contas da IFI, o bloqueio teria de atingir R$ 49,7 bilhões para que o objetivo fosse cumprido.

Em paralelo, o governo também confia na benevolência do Tribunal de Contas da União (TCU). Espera que o órgão dê guarida à estapafúrdia tese de que o arcabouço fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) limitaram o contingenciamento em R$ 25,9 bilhões, ultrapassando diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Caso a meta seja descumprida, e na hipótese de que não seja alterada antes disso, será preciso acionar os gatilhos previstos no arcabouço fiscal para ajustar o crescimento das despesas, o que promete ser o maior teste de credibilidade do ministro. Haddad pode até ganhar alguns meses com essa estratégia, mas não escapará do necessário debate de corte de gastos por muito tempo.