Em sua mais recente manifestação de populismo penal, a Câmara aprovou a castração química de condenados por pedofilia. A iniciativa se deu por meio de uma emenda inserida de última hora em um projeto de lei para instituir um cadastro nacional de pedófilos na internet, igualmente absurdo. De autoria do deputado Ricardo Salles (Novo-SP), ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, ela determina que o infrator terá de usar medicamentos inibidores da libido.
Aprovada por 267 votos a 85, com 14 abstenções, a proposta foi apreciada em uma sessão marcada por tumulto entre deputados da direita e da esquerda. Para integrantes da tropa de choque bolsonarista, quem rejeita a proposta estaria “protegendo pedófilos e estupradores”, enquanto os críticos questionaram a eficácia da castração.
A proposta fere o inciso XLIX do artigo 5.º da Constituição, segundo o qual “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Parece claro que a castração química afeta a integridade física do apenado, razão pela qual deveria ter sido engavetada ainda na fase de avaliação de sua constitucionalidade. Ademais, esse procedimento pode ser considerado cruel, por gerar uma série de efeitos colaterais, além de invadir a privacidade e ferir a dignidade do preso, violando garantias expressas na Constituição.
Ou seja, a castração química afronta a ordem constitucional em diversos pontos e, sendo uma imposição evidentemente desproporcional, mais dura do que a reservada a outros crimes tão ou mais hediondos, parece inspirar-se mais na lei de talião do que na Constituição. É por esse motivo que, no passado, quando o Congresso ainda não estava tomado de reacionários, iniciativas legislativas semelhantes ao menos atribuíam ao condenado por pedofilia a possibilidade de escolher voluntariamente a castração, em troca de redução de pena.
Ademais, não há consenso sobre a eficácia da terapia em impedir que um pedófilo continue a abusar de crianças, sobretudo porque há muitas maneiras de cometer esse crime além da relação sexual propriamente dita. O abuso, hoje em dia, pode-se dar até mesmo no ambiente virtual das redes sociais. Portanto, a castração química não serve, na prática, para impedir que um pedófilo continue a molestar crianças. Serve, somente, para satisfazer um desejo de vingança de parte da sociedade.
Não se combate pedofilia com demagogia, muito menos com a imposição de penas inconstitucionais. São necessárias ações de prevenção, intervenção das escolas para identificar situações de risco e vulnerabilidade das crianças, uma polícia com capacidade de investigação e o uso de mais inteligência.
Agora, a proposta vai ao Senado, onde se espera que seja rejeitada. Caso seja lá também aprovada, caberá ao presidente Lula da Silva vetar essa anomalia. Se sancionada, que seja então questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Justiçamento não é sinônimo de justiça.