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A liberdade em Vargas Llosa

Juntos, os romances e análises de Vargas Llosa legam ao mundo uma apaixonada defesa da liberdade

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Por Notas & Informações

Os amigos de Mario Vargas Llosa costumam enfatizar sua generosidade e curiosidade. “Creio ter conquistado algo que busquei desde a juventude”, disse ele em entrevista à revista The Economist, “que era ser um cidadão do mundo”. No entanto, enquanto intelectual, ele foi excepcionalmente solitário. Primeiro porque, na maré baixa após o “boom” latino-americano, sua carreira como romancista atingiu fama global, acumulando honrarias como o Prêmio Cervantes, a eleição à Academia Francesa e o Nobel. Mas acima de tudo o que o isolava na intelectualidade latino-americana era sua convicção liberal.

Nem sempre foi assim. O jovem socialista percorreu seu caminho de Damasco. Sua visão mudou radicalmente após ver a Revolução Cubana amordaçar escritores e encarcerar homossexuais, e se dar conta, numa visita à União Soviética, que, se fosse russo, teria sido condenado ao Gulag.

O comitê do Nobel prestigiou “sua cartografia das estruturas de poder e suas imagens incisivas da resistência, revolta e derrota do indivíduo”. Ele não foi um “liberal” no sentido americano de “progressista” (liberal nos costumes, estatista na economia), tampouco um “neoliberal” ou “anarcocapitalista”. “O livre mercado é o melhor mecanismo para produzir riquezas”, disse. Mas sem os “costumes e crenças compartilhadas para soprar a vida na democracia e no mercado, somos reduzidos à luta darwinista de agentes atomizados e egoístas que muitos na esquerda veem corretamente como desumana”.

Para Vargas Llosa, a liberdade era um “conceito unificado”. Seu liberalismo era integral: a democracia eleitoral, o livre comércio, o Estado limitado, o poder descentralizado, os direitos civis, a imprensa independente, o ceticismo epistemológico, a igualdade de oportunidades, tudo isso progride junto ou perece junto. “Este é o coração do verdadeiro liberalismo: todas as liberdades individuais são parte de um todo inseparável. As liberdades econômicas e políticas não podem ser bifurcadas”.

Ele emprestou de Karl Popper a fórmula para designar, já no título de sua biografia intelectual, sua bête noire, o “chamado da tribo”: a abdicação da individualidade, da liberdade, da responsabilidade em favor do espírito tribal, da conformidade a algum coletivismo, ao comando de um líder carismático e suas ilusões de segurança e pertencimento em todo o espectro político, do fascismo ao comunismo, do nacionalismo da nova direita ao identitarismo da nova esquerda.

“Por vezes podemos nos sentir sozinhos, porque parece que muito poucos se dedicam aos verdadeiros ideais do ‘liberalismo’”, confessou. A ironia é que, quando recebeu o Nobel, há 15 anos, seu isolamento na América Latina parecia fadado a acabar com o fim de um populismo e um protecionismo esclerosados. Quanto mais solitário não terá se sentido agora que são imitados por toda parte?

Os liberais do mundo estão certamente mais solitários. Mas, como disse Vargas Llosa, “onde quer que eu esteja, enquanto eu puder escrever, eu me sinto em casa”. Igualmente, onde quer que os liberais estejam, enquanto puderem ler Vargas Llosa, terão junto de si um porta-voz e um amigo.

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