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A longa guerra de Putin

O Kremlin quer a economia como máquina de guerra, mas a resposta do Ocidente ainda é incerta

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Por Notas & Informações
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O autocrata russo, Vladimir Putin, anunciou mudanças de alto escalão. O ministro da Defesa, Sergei Shoigu, será substituído pelo vice-primeiro-ministro Andrei Belousov e assumirá a posição de Nikolai Patrushev como secretário do Conselho de Segurança. São mudanças inesperadas. Patrushev, há 16 anos no Conselho, é um adepto das mais selvagens teorias da conspiração e conhecido como o “falcão dos falcões”; Shoigu, há 12 anos no Ministério da Defesa, é um leal servidor de Putin; Belousov é um economista que nunca serviu um só dia como soldado. Na superfície, poderia até parecer que Putin está moderando sua belicosidade expansionista. Na verdade, é o oposto. “Os tecnocratas estão em ascensão”, constatou o historiador militar Mark Galeotti em artigo na Spectator. “O objetivo, contudo, não é a paz, mas uma guerra mais eficiente.”

No Estado mafioso de Putin, a lealdade é um critério fundamental. Mas ela impõe dilemas. Putin “precisa de mudanças se quiser vencer a guerra”, disse Konstantin Sonin, especialista em política russa da Universidade de Chicago. “Mas ele sempre foi extremamente cauteloso sobre trazer pessoas com carisma ou com suas próprias bases políticas em cargos importantes.” A substituição de Patrushev – cujo destino é incerto – por Shoigu responde a esse imperativo. Belousov, por sua vez, é também próximo a Putin, mas não alguém que lhe faria sombra.

Mais importante, Belousov é um economista competente com profunda experiência dentro do governo. Desde que Putin ascendeu ao poder, ele serviu como ministro do Desenvolvimento Econômico, conselheiro econômico de Putin e vice-premiê. “Ele não ambicionará liderar o Exército como um general cheio de medalhas. Ele é um workaholic; um tecnocrata; é muito honesto, e Putin o conhece bem”, disse ao Financial Times uma fonte próxima ao Kremlin.

Sem uma base de poder própria, Belousov é um estatista obstinado formado pela ortodoxia soviética. Sua indicação sugere que Putin deseja mais controle sobre os gastos de defesa, com o objetivo de mobilizar a economia e a indústria de defesa da Rússia para uma longa guerra de atrito com a Ucrânia e possivelmente um confronto com a Otan. “A nomeação nos diz que os gastos com defesa não encolherão”, disse Alexandra Prokopenko, do Centro Carnegie Russia Eurasia. “Belousov é um fã do keynesianismo militar.”

Assim, a escolha pode ser inesperada, mas não ilógica. “À medida que a Rússia de Putin está sendo cada vez mais construída ao redor da invasão da Ucrânia e de um confronto mais amplo com o Ocidente, sem um fim à vista, a experiência de Belousov será crucial para que a economia se torne essencialmente de guerra”, disse Galeotti.

Não pode haver dúvidas sobre os objetivos de Putin: ele está dobrando a aposta em sua estratégia de uma guerra de atrito, na expectativa de superar o desempenho militar da Ucrânia e seus aliados. “O cálculo”, disse Konstantin Kalachyov, um ex-conselheiro do Kremlin, “é que os aliados da Ucrânia se cansarão antes.” Por trás da dança das cadeiras de Putin, esta sim é a grande dúvida.