No dia 9 passado, o presidente Lula da Silva afirmou fazer “votos” para que a eleição presidencial na Venezuela, no próximo dia 28, seja realizada “de forma tranquila” e que “o resultado seja reconhecido por todos”.
Não fosse Lula quem é, um defensor convicto da ditadura de Nicolás Maduro, poder-se-ia dizer que ali falava um estadista empenhado em convocar os cidadãos do conturbado país vizinho a exercerem seu direito de voto de maneira consciente e pacífica e a aceitarem o resultado como legítima expressão da vontade popular.
Sendo Lula quem é, no entanto, seus “votos” derivam de uma evidente falácia: partem do princípio de que as eleições na Venezuela serão livres e justas, e por essa razão seus resultados devem ser aceitos “por todos”, quando até a espada de Bolívar sabe que a ditadura de Maduro, seguindo o padrão habitual, está fazendo de tudo para minar as chances da oposição.
Na Venezuela, com seus inúmeros presos políticos, sem imprensa livre e sem Judiciário independente, é muito improvável que a oposição vença, razão pela qual, mantidas as atuais condições absolutamente antidemocráticas, o vencedor para o qual Lula reclama antecipadamente o reconhecimento deverá ser o companheiro Maduro. Tudo muito conveniente para o lulopetismo, que agride a história e a inteligência ao sugerir que a Venezuela voltará à “normalidade” (termo usado por Lula), na prática, se a oposição reconhecer a vitória de Maduro como legítima.
Lula disse que gostaria de ver a Venezuela voltar “muito rapidamente” ao Mercosul, do qual foi suspensa justamente por violar as cláusulas democráticas do bloco. Ora, a simples realização de uma eleição – que nem livre é – não será capaz de mudar o fato de que o regime venezuelano corroeu as instituições, estruturou-se na corrupção e, ao violar os direitos humanos, solapou a vida a tal ponto que para milhões de cidadãos não restou alternativa a não ser a fuga em massa. Foram essas as razões da suspensão da Venezuela do Mercosul, e o bloco não pode aceitar o país de volta sem que os direitos dos cidadãos venezuelanos sejam integralmente restabelecidos.
Com a vasta experiência político-eleitoral que possui, Lula sabe muito bem como se dá um processo democrático justo. Nada do que ocorre hoje na Venezuela, e vem ocorrendo há anos, contém qualquer vestígio de democracia.
Nas últimas semanas, Maduro tem intensificado o cerco a eleitores potenciais da oposição, ao reduzir o prazo de registro de novos eleitores e ao exigir passaporte vigente e residência permanente de quem está no exterior na condição de refugiado ou que está à espera de asilo e que gostaria de votar. De 3,5 milhões a 5,5 milhões de venezuelanos – 25% dos eleitores – enfrentam barreiras para votar fora do país e apenas 69 mil conseguiram se habilitar.
Além disso, observadores eleitorais da União Europeia foram barrados. Do Brasil, foram convidadas entidades fiéis ao regime chavista, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz(Cebrapaz), além de brasileiros integrantes da Assembleia Internacional dos Povos e da Aliança Bolivariana Pelos Povos da Nossa América (Alba Movimentos).
É com base nessa farsa que Lula quer o reconhecimento por todos do resultado de um pleito no qual os detentores do poder articulam subterfúgios dos mais variados com a única finalidade de declarar a vitória de Maduro. Entende-se a aflição do chavismo e de seus simpatizantes no Brasil: pesquisas independentes mostram folgada liderança do candidato da oposição, o septuagenário Edmundo González, o único aceito pelo regime de Maduro depois de invalidar a candidatura da popular opositora María Corina Machado. A poucos dias do pleito, fosse uma campanha eleitoral normal, seria improvável uma virada de Maduro. Sendo a Venezuela o que é, a vitória da oposição depende exclusivamente dos cálculos de Maduro: se esse triunfo não desatar um processo de revanchismo, há uma remota possibilidade de que o ditador decida que chegou a hora de deixar o poder. E isso, ao contrário do que Lula quer fazer parecer, nada tem a ver com democracia.