A democracia pressupõe a existência de uma oposição livre e responsável ao governo de turno. É ocioso tecer comentários sobre a importância da liberdade de atuação da oposição, pois sem ela nem há como falar de democracia. Já “responsável”, este jornal entende ser o escrutínio leal das ideias, ações e projetos do Poder Executivo; a crítica contundente, porém honesta e republicana, realizada por meio de um debate pautado pela observância ao interesse público, à verdade factual e, principalmente, às leis e à Constituição.
Como muito bem disse Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco e colunista deste jornal, “o presidente Lula tem a legitimidade assegurada pela sua própria eleição” e a oposição a seu governo deve ser exercida “nos fóruns adequados, e não em processos de conspiração”. O executivo fazia referência ao ataque de radicais bolsonaristas contra as sedes dos Poderes, mas podemos estender esse entendimento a toda a insidiosa campanha bolsonarista para desacreditar o Judiciário e o sistema eleitoral.
É fundamental prestigiar essa oposição da qual a democracia tanto precisa porque outra oposição, extremamente nociva ao País, está se organizando a olhos vistos – manifestando-se ora pelo emprego da violência explícita, ora por meio da distorção maliciosa do conceito de “liberdade de expressão”. Seja como for, trata-se de uma oposição destrutiva que, se não for isolada, poderá seguir como uma latente ameaça à democracia.
Essa é uma oposição antirrepublicana, afrontosa à Constituição e em tudo contrária ao modelo de oposição defendido por Trabuco Cappi e por este jornal. Para piorar, conta com as vozes de parlamentares democraticamente eleitos como plataforma de reverberação de suas mensagens inconstitucionais.
Não há como negar: há manifestações públicas de parlamentares em pleno exercício do mandato, além de deputados e senadores que foram eleitos e diplomados em 2022, mas ainda não tomaram posse, minimizando a gravidade da intentona ou defendendo-a à luz do dia. Isso é inconcebível. Parlamentares que usam o mandato para atentar contra a liberdade do Congresso ou defender que outros o façam, sob quaisquer pretextos, devem ser ao menos investigados por quebra de decoro, para dizer o mínimo.
Causa estranheza a rapidez com que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), veio a público isentar alguns parlamentares eleitos em 2022, como Nikolas Ferreira (PL-MG), Clarissa Tércio (PP-PE) e André Fernandes (PL-CE), de qualquer vinculação com os trágicos eventos de 8 de janeiro sem ao menos sugerir que suas condutas sejam apuradas. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF autorização para investigar Clarissa Tércio, André Fernandes e Silvia Waiãpi (PL-AP) por incitação ao golpismo. Ou seja, o Ministério Público Federal crê haver indícios mínimos de participação desses parlamentares na intentona, direta ou indiretamente. Mas Lira já os isentou de pronto.
Não é trivial o risco de corrosão da democracia a partir das próprias instituições democráticas, como o Congresso. O Estadão apurou que 35 presos após os atos golpistas em Brasília se candidataram a cargo eletivo nas eleições municipais de 2020 e nas eleições gerais do ano passado. A reportagem ainda encontrou entre os presos suplentes de vereador e deputado federal, além de uma parlamentar em exercício de mandato. Ou seja, são indivíduos que tencionam chegar às instâncias de poder por meio de eleições limpas e justas para, do alto de seus cargos, enfraquecer a democracia.
Obviamente, os presidentes das Casas Legislativas, as lideranças dos partidos políticos e os parlamentares comprometidos com a Constituição e o regime democrático não controlam os humores dos eleitores, que são livres para escolher seus representantes. Mas todos têm à disposição os meios legítimos para extirpar do Legislativo suas ervas daninhas, aqueles que violam os Regimentos Internos, as leis e a Constituição. Esses mecanismos precisam ser acionados o quanto antes, para o bem das próprias instituições, da democracia e do País.