“PT quer mudanças na proposta do BPC para apoiar o pacote do governo”, informou manchete recente do Estadão, acerca das ações promovidas pela tropa de choque petista contrária ao pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O partido mirou, em especial, nas alterações propostas pela equipe econômica para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos com mais de 65 anos em condições de vulnerabilidade e a pessoas com deficiência.
Foi o prenúncio do que, dias depois, se confirmaria na votação na Câmara dos Deputados, quando seis parlamentares do partido do presidente Lula da Silva – incluindo o ex-dirigente da sigla Rui Falcão (PT-SP) – votaram contra os projetos enviados pelo governo. “Minha relação não é de vassalagem”, avisou o agora declaradamente antigovernista Falcão, tido como homem próximo a Lula. Como os dissidentes petistas, outros partidos da base de apoio ao governo, como o PSOL e a Rede, também rejeitaram o pacote e foram de pouca serventia ao Palácio do Planalto para aprovar o ajuste fiscal e evitar uma desmoralização maior de Haddad.
Nada a estranhar na resistência do partido diante do pacote, exceto por um detalhe que faz do PT uma agremiação quase única no mundo, e o ambiente de votação dos projetos, um caso exemplar desses paradoxos que a política brasileira é capaz de produzir: o partido do presidente e líder da coalizão governista foi aquele que primeiro e mais enfaticamente tentou barrar um pacote que, em tese, é uma agenda prioritária do governo. Trata-se de uma oposição ao governo dentro do próprio governo. Eis o Brasil do petismo.
Conforme antecipado pelo próprio líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), o partido trabalhou até o último instante para desidratar o pacote e, no caso do BPC, os parlamentares aprovaram regras menos rígidas para o recebimento do programa em relação ao que foi proposto originalmente. Com a mudança do texto, o alívio nas contas será menor do que o previsto.
A artilharia petista no plano fiscal é conhecida e foi realimentada com a recente resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT – o texto, de 10 páginas, elogia Haddad por propor a taxação dos super-ricos e diz que a sociedade precisa se manter atenta “às artimanhas da Faria Lima”. Na síndrome persecutória petista, austeridade é palavrão e equilíbrio de contas públicas é conspiração do “mercado” para desviar o País do caminho virtuoso traçado pelo projeto do partido.
É um enredo antigo. No início do segundo mandato de Dilma Rousseff, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentou emplacar um ajuste fiscal e passou a ter como principal inimigo no Congresso não o presidente da Câmara e futuro algoz de Dilma, Eduardo Cunha, mas o próprio PT. A tal ponto que outros partidos da coalizão e mesmo legendas oposicionistas, dispostos a apoiar o ajuste, recuaram sob um argumento lógico: se nem o partido da presidente apoiará medidas necessárias, porém impopulares, por que haveriam de fazê-lo?
Hoje ocorre algo similar. De aliados como o PSOL não se esperaria muito – espécie de PT do B, a legenda tão somente confirmou a suspeita de que a moderação exibida durante a eleição municipal pelo seu principal líder, Guilherme Boulos, não passava de artifício eleitoreiro. Mas o PT, goste-se ou não, é a principal força da esquerda e âncora maior de sustentação do governo. Sob a liderança de Gleisi Hoffmann, no entanto, prefere atuar como se liderasse a oposição. A má vontade do partido acabou oferecendo à Câmara uma boa justificativa para emparedar o governo enquanto votava o pacote.
A boa política exige separar republicanamente o que é governo e o que é partido. Também não se espera de lideranças partidárias o acolhimento acrítico de todas as iniciativas do governo, muito menos que sejam vassalos do presidente. O problema é que, no universo lulopetista, tal separação só existe mesmo quando se trata de responsabilidade fiscal. Fora esse tema, contudo, não é de hoje que Lula e seus sabujos veem o governo como mera extensão dos interesses partidários.