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A pergunta que não quer calar

Como disse o economista Mansueto Almeida, o mercado quer saber como governo pretende pôr em prática o prometido ajuste fiscal. Rever cadastros de benefícios sociais não será suficiente

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Por Notas & Informações
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Depois de semanas em que investiu toda sua verve contra o mercado financeiro, levando o dólar a superar a marca de R$ 5,70, o presidente Lula da Silva finalmente recuou e voltou a afirmar que não seria irresponsável na área fiscal. Foi o suficiente para levar o câmbio a níveis um pouco mais civilizados, entre R$ 5,40 e R$ 5,50, mas longe dos R$ 4,90 registrados no início do ano, medida das incertezas criadas pelo próprio governo.

Há, no Executivo, quem não compreenda as razões pelas quais a instabilidade ainda não foi plenamente debelada, sobretudo após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter reiterado que o arcabouço será preservado a qualquer custo e anunciado um corte de quase R$ 26 bilhões em despesas do Orçamento do ano que vem.

Para o mercado, no entanto, palavras são de pouca valia se não forem convertidas em ações efetivas, e é isso que todos os investidores querem saber neste momento. “Os economistas dizem que foi boa a mensagem, mas se perguntam: como é que o governo vai fazer isso?”, disse o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

A declaração de Mansueto resume o tamanho do desafio do governo neste momento. E não se pode alegar que o economista não saiba do que está falando. Como ex-secretário do Tesouro Nacional nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, Mansueto conhece, como poucos, a dinâmica das contas públicas, a rigidez do Orçamento e o tamanho dos gastos obrigatórios.

“É muito difícil mensurar o quanto se consegue economizar com revisão de cadastro irregular de benefícios sociais. E os programas que têm um impacto muito grande têm regras. Então, se não mudar regras, é muito difícil saber exatamente quanto vai economizar”, afirmou o economista.

Como Mansueto bem observou, desde abril, quando o governo alterou as metas fiscais de 2025 e de 2026, nem a ala política do Executivo nem o presidente da República falam da importância de cumprir o teto de gastos – ao contrário. O que se vê é uma desqualificação prévia de toda e qualquer tentativa de colocar ordem nas contas públicas.

Iniciativas que ousem tocar na dinâmica das principais despesas do governo são imediatamente rechaçadas, algumas delas pelo próprio presidente, como foi o caso da desvinculação do salário mínimo dos benefícios assistenciais e das mudanças propostas nos pisos constitucionais de saúde e educação.

Como disse Mansueto, não existe ajuste fiscal pelo lado da despesa sem mexer em cinco áreas – Previdência Social, Assistência Social, saúde, educação e trabalho. E ainda que o avanço exponencial de despesas como Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença e seguro-defeso nos últimos anos sugira a existência de fraudes, essas áreas ainda são tratadas como intocáveis pelos petistas.

O que se sabe é que o governo mantém sua aposta nas receitas, estratégia que ignora a resistência do Congresso a medidas que elevem a arrecadação. O Executivo ainda não chegou a um acordo com o Senado para cobrir a desoneração da folha de 17 setores e de municípios, mas não parece nada preocupado, pois conta com o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual a reoneração será retomada de maneira imediata se não houver a adoção de medidas compensatórias.

Recuperar a confiança perdida requer do governo clareza e transparência sobre o que pretende cortar – e, principalmente, sobre como pretende cortar. Como disse Mansueto Almeida, o ajuste fiscal é sempre uma decisão política que vai muito além da boa vontade da equipe econômica.

Operações do tipo pente-fino para rever benefícios irregulares não podem ser chamadas de ajuste, mas mera obrigação de qualquer governo minimamente zeloso com o dinheiro do contribuinte, o que lamentavelmente não parece ser o caso. Quem clama por responsabilidade fiscal não torce contra o governo, mas tampouco compra gato por lebre e quer ver as promessas que têm sido feitas nas últimas semanas se materializarem de fato para voltar a ver o País com bons olhos.