Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A recalcitrância do Congresso custa caro

A cúpula do Legislativo se desdobrou em 2024 para não cumprir decisão do STF de dar transparência às emendas ao Orçamento. Mas a Corte mostrou que não se deixa enganar facilmente

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

O País iniciará o ano novo tendo de lidar com um novo capítulo da recalcitrância do Congresso em cumprir as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que visam a adequar as emendas orçamentárias à Constituição.

No dia 23 de dezembro, o ministro Flávio Dino atendeu a um pedido do PSOL em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e suspendeu novamente o pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento. Foram bloqueados tanto os R$ 4,2 bilhões previstos até o fim de 2024 como os cerca de R$ 50 bilhões orçados para 2025 até que alguns deputados e senadores resolvam parar de se comportar como fora da lei e informem para quem e por que enviam tamanho volume de recursos públicos. Não por acaso, Dino ainda determinou que a Polícia Federal investigue as supostas manobras do Congresso para burlar as decisões do STF e, claro, a eventual malversação da dinheirama que já foi liberada.

O Congresso, é forçoso dizer, desdobrou-se para fazer de 2024 um ano notável em sua história, mas não necessariamente pelo eventual bom trabalho que tenha prestado ao País. Como já sublinhamos nesta página, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de fato protagonizaram movimentos de defesa da democracia e deram andamento a importantes projetos neste ano. Mas seria o caso de agradecer-lhes pelo cumprimento de um papel elementar do Parlamento no Estado Democrático de Direito? Outros antes deles, afinal, também já o fizeram, mas sem que o preço de suas entregas fosse tão alto para o País. A marca da gestão de Lira e Pacheco à frente das duas Casas é, pois, a completa distorção do Orçamento público.

A aprovação de matérias relevantes para o País, como a reforma tributária, entre outras, não tem o condão de apagar toda sorte de ardis engendrados pela cúpula do Congresso em 2024 para se assenhorar de um quinhão inaudito do Orçamento sem a devida transparência nem muito menos isonomia. Lira, Pacheco e Davi Alcolumbre (União-AP), provável futuro presidente do Senado, controlaram com mão de ferro a distribuição de bilhões de reais entre seus grupos políticos. Abusaram de audácia e criatividade para sustar qualquer possibilidade de identificação de patronos e beneficiários das emendas com o claro objetivo de evitar a responsabilização dos parlamentares pela eventual malversação dos recursos públicos, no que se materializou como uma desabrida burla do sistema de freios e contrapesos e, ademais, um abastardamento do próprio ideal republicano.

Tudo caminhava bem para o desfecho imaginado pelas cúpulas das duas Casas, que há exatamente dois anos vêm descumprindo de todas as formas a decisão do STF de exigir transparência e isonomia no pagamento das emendas parlamentares. Até que Dino, depois seguido por seus pares na Corte, resolveu jogar mais duro com os que desrespeitam a Constituição de forma tão evidente quanto acintosa. Em agosto, recorde-se, o ministro suspendera o pagamento das emendas até que o Congresso criasse mecanismos legais de garantia da transparência e igualdade na distribuição dos recursos públicos. O Congresso, então, aprovou uma lei malandra que nem o mais cândido dos cidadãos haveria de dizer que atendeu aos critérios definidos pelo STF para restabelecer o pagamento das emendas. Sancionada sem vetos pelo presidente Lula da Silva, que se deixou tomar como refém pelo Legislativo por incompetência para ditar os rumos da agenda nacional, a lei mandrake entrou em vigor, mas o STF, uma vez mais, mostrou que não se deixou enganar e condicionou o pagamento ao cumprimento de uma série de exigências com vistas à garantia do escrutínio público sobre a disposição dos recursos.

Esses critérios, por óbvio, não foram cumpridos, haja vista que a opacidade é da natureza dessa nova forma de o Congresso exercer poder por meio das emendas impositivas. O tempo dirá que fim levará essa disputa entre Poderes, que, além de se prolongar por um motivo antirrepublicano – a contumácia do Congresso em burlar a Constituição –, ainda causa grande prejuízo à sociedade por dificultar o bom andamento de uma agenda virtuosa para o País.