No curto espaço de uma semana, dois ministros do governo Lula da Silva ameaçaram de forma explícita e categórica pedir demissão caso suas pastas sejam atingidas pelo corte de gastos defendido pela equipe econômica. A recalcitrância de Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho (Trabalho), dois dinossauros da política oriundos do trabalhismo e do sindicalismo, em nada surpreende. O que perturba é a conduta de mero espectador assumida pelo presidente da República.
Lula da Silva acompanha com incômoda indiferença as declarações intimidatórias a eventuais medidas de seu governo. Por muito menos, ministros já foram desautorizados em comentários considerados insubordinados ou dissonantes, e não há nada de errado nisso. Faz parte do exercício da Presidência manter a equipe coesa e garantir certo grau de disciplina para que a máquina pública funcione dentro do roteiro traçado pelo governo.
Reportagem do Estadão informou que, em recente reunião no Palácio do Planalto, Luiz Marinho discutiu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na frente de Lula, reclamando do pacote de corte de gastos. Em resposta, Haddad afirmou que o governo conduz a discussão desde fevereiro e que o ministro do Trabalho tem ciência disso. Há meses vêm sendo cogitadas mudanças no abono salarial, seguro-desemprego e na multa de 40% do FGTS em demissões sem justa causa.
Dias antes da reunião, ao ser questionado por jornalistas sobre essas propostas, Marinho respondeu que nada disso ocorreria, “a não ser que o governo me demita”. Em outra frente, Carlos Lupi, que também já havia se colocado contra qualquer mudança nos gastos previdenciários, declarou, em entrevista ao jornal O Globo, que não aceitará que o pacote venha a “pegar a Previdência”, desvinculando, por exemplo, benefícios da regra de aumento real do salário mínimo. “Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo”, afirmou.
Como se fossem insubstituíveis ases da administração pública, os ministros assumem um comportamento afrontoso diante do pacote fiscal que, ao que tudo indica, terminará por propor um corte franciscano e sem mirar no equilíbrio entre receitas e despesas, como prevê o arcabouço fiscal. Sem o mesmo tom de ameaça dos colegas, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, também fez declarações descartando a possibilidade de desindexação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, outra proposta que chegou a ser debatida.
O governo, que se contenta em alcançar a borda inferior das metas fiscais, também reduziu drasticamente as metas originais do arcabouço antes de a nova legislação completar um ano, o que minou a confiança na consolidação fiscal. Originalmente, o compromisso de Lula da Silva era chegar ao fim do mandato com superávit nas contas públicas de 1% do PIB. Agora, na melhor das hipóteses, a previsão de superávit foi empurrada para 2028 e, assim mesmo, cercada de ceticismo.
Na gestão Lula da Silva, a única ameaça de demissão que poderia fazer alguma diferença seria a de Fernando Haddad, que, com alguma coerência, tenta dotar de um mínimo controle fiscal o dispêndio de recursos públicos do governo. Seria exagero dizer que tem sido bem-sucedido na tarefa, mas ao menos tem conseguido evitar a total quebra de confiança no governo.
Levadas a termo, as ameaças dos ministros da Previdência e do Trabalho não fariam diferença nem mesmo em termos de apoio político. Mas os ultimatos bradados diante de um Planalto apático enfraquecem a equipe econômica e aumentam as dúvidas sobre o verdadeiro papel de Lula no esforço para caminhar na direção do equilíbrio sustentável das contas públicas. Sabe-se, de antemão, que parcimônia nos gastos é conceito inexistente na cartilha lulopetista, repleta de políticas populistas mantidas com dinheiro público.
A ferocidade dos ministros no combate ao corte de gastos parece se basear na certeza de que não precisarão cumprir ameaças de debandar do governo. Afinal, antes delas, Lula já havia interditado debate sobre as políticas que mais poderiam ajudar no ajuste e que atingem justamente suas áreas.