O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a aprovação de uma reforma tributária neutra é uma das prioridades do primeiro ano de governo do presidente Lula da Silva. “Se a reforma não for neutra, alguém vai perder, e a gente quer que todos ganhem”, disse ele no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. A disposição do ministro para defender uma reforma tributária já nos primeiros dias no cargo não deixa de ser positiva, mas chegou o momento de detalhar a agenda econômica que pretende de fato apoiar.
O sistema tributário nacional tem inúmeros defeitos. É complexo, fragmentado, cumulativo, regressivo, injusto e desigual. Cobra mais dos mais pobres, onera o consumo em detrimento da renda e do patrimônio, não estimula a eficiência e a produtividade, favorece o litígio, limita investimentos, encarece exportações, estimula a guerra fiscal e impede o crescimento econômico. A existência de múltiplas alíquotas, benefícios fiscais e regimes simplificados reduz a arrecadação, aumenta o déficit da Previdência e não se reverte em empregos formais.
São tantos, tão conhecidos e tão antigos, os problemas do sistema tributário quanto a resistência para enfrentá-los. Afinal, são muitos os setores que se beneficiam dessas distorções, todos muito bem representados no Congresso. A essas velhas dificuldades é preciso somar as desonerações sem critério distribuídas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no auge da campanha eleitoral, ainda pendentes de reversão.
As reformas tributárias que já estão no Congresso – as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e a 110/2019 – vão na direção correta ao unificar tributos federais, estaduais e municipais sobre bens e serviços. Aprovar essa etapa é importante, mas insuficiente para resolver um problema bem mais amplo e que diz respeito ao tamanho do Estado brasileiro.
Aprovar uma reforma tributária neutra significaria manter a carga no mesmo patamar em que ela está – 33,90% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. Cobrar mais dos mais ricos e menos dos mais pobres, como defende Haddad, é um objetivo mais do que justo, mas não resolverá o problema do déficit primário que o ministro diz querer enfrentar. O País gasta mais do que arrecada consistentemente desde 2014. Um crescimento econômico mais vigoroso poderia elevar a arrecadação, mas as projeções do mercado mais recentes não inspiram otimismo nessa seara.
Se a intenção é manter a carga pela ótica das receitas, não se pode dizer o mesmo do lado da despesa. Com a Proposta de Emenda à Constituição da Transição, o governo conseguiu autorizar gastos muito além do nível necessário para recompor despesas com programas sociais, ampliando o déficit primário previsto para R$ 231,5 bilhões – ou 2,3% do Produto Interno Bruto. Reduzi-lo a 1% do PIB, meta que Haddad assumiu, não será possível somente com o plano que o ministro anunciou na semana passada, muito mais pautado na recuperação de receitas do que na redução de gastos.
Estabilizar a trajetória de crescimento da dívida pública, outro dos objetivos mencionados por Haddad, tampouco será possível com uma reforma tributária neutra sob o ponto de vista da arrecadação. Se a ideia é impedir que a dívida supere a proporção de 80% do PIB, é preciso gerar superávits primários para pagar, ao menos, seus juros. Qualquer deterioração no ambiente externo tem o potencial de desvalorizar o câmbio, pressionar a inflação e levar o Banco Central a elevar ainda mais a Selic, ampliando o endividamento.
Fica muito claro que manter a carga tributária no nível em que está, reduzir o déficit primário e estabilizar a trajetória da dívida são objetivos incompatíveis com a realidade fiscal brasileira. E, diante da histórica rejeição dos governos petistas a reformas estruturais que revejam a estrutura do gasto público, tudo indica que o ajuste virá do lado da receita, o que reforça a impressão de que a reforma tributária de Haddad poderá ser tudo, menos neutra. É, portanto, hora de o governo apresentar claramente sua agenda econômica, opaca desde a campanha.