Apresentado pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), o parecer sobre o projeto de regulamentação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que foi aprovado em agosto pelo Congresso, manteve o dispositivo que autoriza o repasse de recursos públicos para escolas privadas apenas na educação infantil (creche e pré-escola), na educação no campo (rural) e na educação especial – e, assim mesmo, quando não houver vagas na rede pública.
O único acréscimo é com relação à educação profissional de ensino médio. Em seu parecer, o relator introduziu um dispositivo que permite que recursos do Fundeb possam ser destinados a escolas particulares sem fins lucrativos que atuem nessa modalidade.
Foi mais uma derrota política sofrida pela área educacional do governo Bolsonaro, que vinha, desde 2019, acenando com a possibilidade de aumentar repasses de recursos públicos para escolas privadas de ensino básico. Essa era uma antiga reivindicação de instituições escolares mantidas por entidades religiosas e filantrópicas. E como em 2020 as receitas do ensino privado foram afetadas pelo aumento da inadimplência decorrente da pandemia, certos empresários do setor passaram a pressionar o governo para que, na regulamentação do novo Fundeb, fosse ampliada indistintamente para toda a educação básica a autorização para receber recursos do Fundeb.
Desde então, essas pretensões e pressões vêm sendo duramente criticadas por promotores e procuradores do Ministério Público (MP), técnicos de Tribunais de Contas e ONGs do setor educacional. Para os membros do MP, se o Legislativo acolher as pretensões das autoridades educacionais do governo, do empresariado do setor educacional e de instituições confessionais, filantrópicas e comunitárias, ficará aberto o caminho para a terceirização do ensino público. Entre outros motivos, porque Estados e municípios não precisariam mais investir na construção e gestão de escolas, como é determinado pela Constituição. Além de se eximir de suas obrigações legais, Estados e municípios financiariam escolas particulares num período de crise, em detrimento do ensino público.
Já para os técnicos dos Tribunais de Contas, o uso indiscriminado de recursos educacionais para a oferta de vagas por escolas particulares em redes conveniadas na educação básica obrigatória é vedado por vários dispositivos constitucionais, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pelo Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei n.º 13.005/14. Além disso, não faz sentido alargar o alcance das hipóteses legais que permitem repasses de dinheiro público a escolas privadas por meio de uma regulamentação que colide com o espírito do novo Fundeb, aprovado por emenda constitucional. Seria uma afronta ao princípio da hierarquia das leis, dizem eles.
As críticas das ONGs do setor educacional vão na mesma linha. Segundo elas, a maior parte das escolas privadas conveniadas com as redes públicas de ensino básico está localizada nas cidades mais ricas do País. Por isso, eventuais concessões para beneficiar instituições confessionais, filantrópicas e comunitárias não beneficiariam os municípios mais pobres – ao contrário, aumentariam as desigualdades do sistema educacional, colidindo assim com o espírito e os objetivos do novo Fundeb.
O deputado Felipe Rigoni teve o bom senso de preservar quase tudo o que foi previsto pela emenda constitucional que criou o novo Fundeb. Além disso, conseguiu garantir que o processo operacional das transferências dos recursos para os Estados e municípios já esteja submetido às novas regras no próximo ano. Por isso, o relatório, que deverá ser votado nos próximos dias, foi muito bem recebido pelos pedagogos especializados em ensino básico. Seu grande mérito foi evitar a captura, pelo setor educacional privado, da principal fonte de financiamento do ensino público.