No dia 13 de novembro, depois de uma série de reportagens expondo casos de conflitos de interesse, os nove ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos publicaram um inédito código de conduta com cinco postulados. O objetivo era “reunir em um só lugar as regras e princípios éticos que norteiam a conduta dos membros do tribunal”.
São estes os postulados: (i) manter a integridade e a independência do Judiciário; (ii) evitar a impropriedade e a aparência de impropriedade em todas as atividades; (iii) cumprir os deveres do cargo de forma justa, imparcial e diligente; (iv) apenas exercer atividades extrajudiciais que sejam compatíveis com as obrigações do cargo judicial; e (v) abster-se da atividade política. Em relação a cada um dos tópicos, os ministros da Suprema Corte redigiram comentários concretizando as disposições.
Deve-se reconhecer que os postulados trazem um conteúdo um tanto óbvio. Chega a ser curioso que, até agora, os membros da Suprema Corte não tivessem tais obrigações por escrito, mas apenas o restante da magistratura. “A ausência de um código levou, nos últimos anos, à falsa compreensão de que os juízes da Corte, ao contrário de todos os outros juristas deste país, se consideram livres de qualquer regra de ética”, disseram os ministros da Corte constitucional americana.
No entanto, na história do código de conduta da Suprema Corte dos EUA, mais do que o conteúdo em si do texto – que alguns consideraram brando –, o importante foi a atitude dos ministros. Eles não reclamaram das reportagens. Não se defenderam dos casos de escândalo dizendo que realizam diariamente uma função importante em defesa do regime democrático americano. Não disseram que a tradição da Suprema Corte era não ter um código de conduta e que, mesmo em épocas mais conturbadas, não se havia recorrido a tal instrumento.
Perante a crise de autoridade envolvendo o tribunal, os nove ministros fizeram o que estava ao seu alcance. Não fingiram que os escândalos não afetavam a imagem da Corte, tampouco culparam terceiros pela crise. Há aqui um enorme aprendizado para o Judiciário brasileiro.
Vale ressaltar que, no Brasil, essas regras já estão vigentes há muitos anos - e não apenas por força de um documento assinado por 11 ministros. O Congresso aprovou a Lei Orgânica da Magistratura (LOA, Lei Complementar 35/1979), que estabelece deveres e impedimentos para todos os magistrados do País, incluindo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Algumas resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também regulamentam e concretizam essas disposições. Ou seja, aqui, o problema não é a falta de lei ou de alguma norma escrita.
No entanto, há uma enorme distância entre o que a lei prevê e o comportamento de alguns membros do Judiciário, especialmente o de alguns ministros do STF. Por exemplo, a Lei Complementar 35/1979 proíbe o magistrado de “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III). Tal vedação simplesmente não é respeitada – e tudo isso é encarado como algo normal.
Para piorar a situação – talvez aqui esteja a grande lição proveniente da Suprema Corte americana –, os ministros do STF não veem nenhuma relação entre seu comportamento desatento aos deveres do cargo, para dizer o mínimo, e a crescente deterioração da imagem da Corte constitucional. Tudo seria obra dos que não compreendem os deveres do STF ou de quem não está satisfeito com a ordem constitucional de 1988.
Ora, falar fora dos autos, participar de evento corporativo ou discursar em reunião política não tem nada a ver com o arranjo institucional da Constituição. É simples atuação fora da lei, que desmoraliza o STF perante a população. O exemplo da Suprema Corte americana mostra que é possível outra atitude, de efetivo cuidado do tribunal. Basta querer.