O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fechou acordo com os Estados para repor as perdas impostas pelas mudanças na legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis. Inicialmente, os Estados pleiteavam uma compensação de R$ 45 bilhões, enquanto a União defendia um ressarcimento de R$ 13 bilhões. Na negociação, ficou acertado que o Executivo arcará com R$ 26,9 bilhões, via transferências diretas e abatimento do valor das parcelas das dívidas dos Estados com o Tesouro Nacional. “Acordo nunca é satisfatório para ninguém. É uma conta que você faz com base em parâmetros técnicos”, disse Haddad.
A notícia é excelente – e por diversas razões. O desembolso imediato para a União será relativamente pequeno, de R$ 4 bilhões neste ano, e o restante será diluído até 2026; outros R$ 9 bilhões já foram compensados por meio de liminares que haviam sido concedidas a alguns Estados no ano passado. Com o acordo, ambas as partes cederam para encerrar uma controvérsia que poderia durar décadas e tomar proporções gigantescas – basta lembrar que a disputa sobre as perdas com a Lei Kandir levou 25 anos para ser encerrada. Para o governo Lula da Silva, trata-se de um feito digno de comemoração sob o ponto de vista financeiro e político.
A Lei Complementar 194/2022 foi uma das maiores excrescências eleitorais da história brasileira. Aprovada pelo Legislativo no primeiro semestre do ano passado e sancionada em junho de 2022, ela enquadrou combustíveis, energia e telecomunicações como bens essenciais e estabeleceu um teto para as alíquotas de ICMS de uma hora para outra, ignorando o fato de que os tributos sobre esses itens respondem, em média, por um terço da arrecadação dos Estados.
Se financeiramente o projeto era insustentável, politicamente ele era um acinte. Fossem tempos normais, uma proposta como essa não teria a menor chance de aprovação no Congresso – mas não eram tempos normais. De uma só vez, o governo responsabilizou os Estados pelo aumento dos preços dos combustíveis, jogou a opinião pública contra os governadores e pressionou os parlamentares a aprovar um texto que tinha como principal objetivo criar uma bandeira política para a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O rolo compressor funcionou bem. Ainda que muitos parlamentares conhecessem os efeitos do projeto sobre as receitas dos Estados – os principais responsáveis pelos gastos com saúde, segurança e educação –, poucos manifestaram disposição para enfrentar a máquina bolsonarista de destruição de reputações nas redes sociais. A ambiguidade da redação final da lei, no entanto, garantiu aos governadores a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para se defender dos prejuízos.
Poucas vezes se viu tanta leviandade na relação entre União e Estados como no governo Bolsonaro. Mais do que impor perdas financeiras aos Estados e municípios de forma imediata, sua postura inconsequente violou um dos princípios da Constituição – o pacto federativo. Nem se discute que as alíquotas de ICMS cobradas em alguns Estados fossem muito elevadas. O problema foi a forma extemporânea como a redução foi feita, sem negociações prévias ou tempo para que eles se adaptassem a essa nova realidade.
O final dessa história não poderia ser mais previsível. Sem as compensações, ou os Estados teriam de recorrer ao socorro financeiro do Tesouro ou a lei estaria inviabilizada no médio prazo. Por meio do acordo, a União se comprometeu, também, a apoiar os Estados nas discussões que estão no STF envolvendo o ICMS – uma das principais demandas dos governadores é rever a essencialidade da gasolina.
O mais importante, no entanto, não são exatamente os detalhes financeiros do acordo, mas o que ele simboliza em termos políticos: o resgate da interlocução entre União e Estados, o reconhecimento da autonomia de cada ente federativo e o restabelecimento da atuação conjunta entre União e Estados nos termos, responsabilidades e competências de cada um, como determina a Constituição.