A pandemia se dissipa, mas alguns impactos chegaram para ficar. No mundo do trabalho, o regime híbrido, ao menos para ofícios intelectuais, é o novo normal. Mas essa rota estava traçada pela revolução digital. A pandemia só acelerou 20 anos em 2. Há, porém, ideias marginais que ganham tração. Talvez a mais intrigante seja a semana de 4 dias.
Intelectuais nada desprezíveis como Benjamin Franklin, J.S. Mill, J. Maynard Keynes ou Karl Marx profetizaram que mudanças tecnológicas e melhorias de produtividade trariam contínuas reduções nas horas de trabalho. Entusiastas da semana de 4 dias alegam benefícios sociais, econômicos e ambientais, como mais equilíbrio entre vida e trabalho, menos custos, menos emissão de carbono, mais igualdade de gênero, mais criatividade e, por último, mas não menos importante, mais produtividade. Este é o ponto mais contraintuitivo e o mais questionado pelos céticos, que também se preocupam com perdas na cultura do trabalho e mais estresse, seja pela pressão para comprimir a produção em quatro dias, seja porque o novo dia “livre” poderia ser ocupado com novos trabalhos.
Experimentos em todo o mundo têm lançado luz sobre essas questões. As modalidades variam. O padrão é uma agenda fixa: 4 dias, com 8 horas de trabalho, 32 na semana, com o mesmo salário e a mesma produção. Algumas empresas e legislações (como na Bélgica) oferecem aos empregados a possibilidade de trabalhar quatro dias, mas mantendo 40 horas semanais. O Google ensaiou a fórmula 80/20 – 80% do tempo para projetos centrais e o resto para atividades experimentais.
Um experimento na Islândia entre 2015 e 2019 com 3 mil trabalhadores concluiu que a produtividade se manteve, e em alguns casos aumentou. Os trabalhadores se sentiram menos estressados e mais saudáveis. Homens passaram a se dedicar mais a tarefas domésticas – que costumam sobrecarregar as mulheres. Desde então, 86% dos trabalhadores islandeses mudaram seu regime para menos horas ou ganharam o direito de fazê-lo.
Um experimento com 70 empresas da organização 4 Day Week Global e pesquisadores de Oxford e Cambridge foi igualmente positivo. Os funcionários reportaram mais bem-estar e energia no trabalho e menos conflitos familiares. Mais surpreendente: 46% das empresas disseram que a produção se manteve; 49%, que melhorou. Faltas e pedidos de demissão declinaram; receitas aumentaram; a contratação e a manutenção de talentos foram facilitadas.
Isso parece ter sido o resultado de estratégias gerenciais, como encorajar os empregados a abandonar reuniões para as quais não estavam contribuindo ou serem mais seletivos ao aceitar convites. A tecnologia diminuiu o tempo em traslados, e treinos diminuíram o tempo nas respostas a e-mails. Uma participante chamou essas estratégias de um “detox diário”.
Os céticos podem alegar que os participantes já tinham um viés. A maioria é de empresas pequenas, muitas especializadas em gestão e tecnologia. Eles também questionam se a pressão por eficiência não implicará menos socialização no trabalho e menos oportunidade de partilha de conhecimentos. São questões pertinentes, que pedem mais testes.
O importante é estar aberto. Como disse um dos pesquisadores, “as pessoas frequentemente falam sobre a semana de cinco dias como algo inscrito no livro do ‘Gênesis’, mas isso está longe da verdade”. Só com a Reforma Protestante o domingo foi consagrado como um dia de repouso. No século 19, uma campanha no Reino Unido para reduzir a jornada nas fábricas de 12 para 10 horas despertou premonições catastróficas. Em 1926, a decisão de ninguém menos que Henry Ford de reduzir os dias de trabalho de 6 para 5 dias foi recebida com descrença generalizada. Mas, como ele disse, “podemos ter a mesma produção... e provavelmente mais, já que pressão trará melhores métodos”. Só em meados do século 20 o “final de semana” se tornou padrão.
Em geral, visões otimistas costumam não ser mais que miragens. Às vezes, contudo, as mais extravagantes podem ser não só um oásis, mas – como provou Colombo – um verdadeiro continente: um “novo mundo” rico e fecundo.