“O governo precisa tomar um chacoalhão”, sugeriu à repórter Vera Rosa o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha. Integrante da velha-guarda do Partido dos Trabalhadores (PT), Cunha pregou ao Estadão a necessidade de reformulação do partido após os maus resultados das eleições municipais, assim como a importância de o governo do presidente Lula da Silva “entender os sinais que estão aparecendo na sociedade” e corrigir seus problemas para enfrentar os próximos dois anos – leia-se: preparar o terreno para a disputa presidencial de 2026.
Foi mais uma entre muitas análises que expressam a perplexidade de um partido, o PT, e da esquerda marxista, que vê o mundo exclusivamente sob o prisma da luta de classes, diante da hemorragia de votos e de simpatia em setores antes tidos como cativos. Hoje, para resumir, o Partido dos Trabalhadores não representa os trabalhadores, apenas os sindicatos – que, na datação do mundo do trabalho, estão na idade da pedra.
Cunha ecoou o que Lula já reconhecera dias antes. “Temos que rediscutir o papel do PT”, avaliou o presidente ante derrotas fragorosas no Brasil. Ao seu estilo, Lula sugeriu a “rediscussão” do papel do seu partido, como se ele próprio não fosse responsável pela crise, ao interditar a renovação e ao atrelar o PT a imperativos puramente eleitorais. Mesmo os petistas mais empedernidos admitem que o resultado das eleições municipais foi péssimo se comparado a anos como 2012, quando também ocupava a Presidência, e um sinal evidente da desidratação da esquerda, da consolidação da direita e da relativa diluição da polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo.
As agruras lulopetistas, contudo, não têm a menor importância para o Brasil. O que, sim, interessa é observar que não é bom para o País que haja qualquer hegemonia política, nem à esquerda nem à direita, razão pela qual a esquerda precisa se livrar do lulopetismo e das cansativas batalhas identitárias do psolismo e se modernizar, para que, como social-democracia, volte a ter relevância no debate público contra uma direita que, de modo inteligente, captou as aflições e os desejos da maioria do eleitorado.
Quando deveriam pensar sobre um Brasil que se transforma a olhos vistos e numa velocidade estonteante, Lula e seus aliados trabalham sob a mesma lógica dos anos 2000, quando chegaram à Presidência pela primeira vez. Trata-se de um envelhecimento que vai muito além da idade de suas lideranças. É uma senilidade de ideias – em parte decorrente do próprio pensamento rupestre típico da esquerda marxista, em parte decorrente dos erros do passado, jamais admitidos.
Do mesmo modo que o Brasil precisa de uma direita não bolsonarista e não golpista, também precisa de uma esquerda moderna, capaz de fazer um contraponto qualificado. Não está claro qual caminho o PT adotará nessa rediscussão, mas parece difícil que seja o PT a promover tal modernização e a construir uma esquerda liberal progressista, não estatista, não radical e não dependente de Lula – atributos essenciais para lidar com uma direita que caminha para monopolizar o cenário político do País num futuro previsível. O que se vê, por ora, é um discurso essencialmente concentrado na polarização, nas questões identitárias e na velha cantilena anti-imperialista, demonstrando excruciante incapacidade de atualizar sua agenda.
Enquanto isso, o PT ainda padece do seu vício de origem: achar que os eleitores é que estão cometendo erros, induzidos por algoritmos, pela mídia e pelas “elites”. Ignora, por exemplo, os anseios de prosperidade da nova classe média – que o marxismo chama jocosamente de “pequena burguesia” –, desejosa de um Estado que justifique os impostos que cobra e não lhe atrapalhe a vida. E ignora as aspirações de eleitores e cidadãos de baixíssima renda que ainda precisam da proteção e do cuidado do Estado. Para os primeiros, essa esquerda embolorada parece não ter projeto, reservando-lhes indisfarçável desdém. Para os demais, não oferece muito mais do que a velha política de transferência de renda.