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A sinuca do identitarismo

Ruidoso caso do ministro dos Direitos Humanos coloca o governo das minorias numa saia-justa

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Por Notas & Informações
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Até o momento em que esta nota estava sendo escrita, o sr. Silvio Almeida ainda era ministro dos Direitos Humanos e Cidadania. Na verdade, é irrelevante se o presidente Lula da Silva resolveu manter ou demitir o referido ministro depois que vieram a público denúncias de que Almeida esteve envolvido em assédio sexual dentro do governo. O que importa, neste caso, é a sinuca que o episódio criou para os militantes da causa identitária.

O ainda ministro, como ele próprio fez questão de lembrar, é negro. E desde logo tratou de sugerir que as acusações que sofre fazem parte de uma ofensiva racista. Sem dar os nomes de seus detratores, Almeida afirmou que “há um grupo” que o persegue e “uma campanha” para afetar sua “imagem enquanto homem negro”.

Do outro lado da trincheira se encontra uma ONG chamada Me Too Brasil, em referência ao movimento internacional que apoia mulheres que denunciam assédio sexual de homens. Foi essa organização feminista que denunciou Almeida, sem dar os nomes de quem teriam sido as vítimas, a título de preservá-las.

É um caso sob medida para testar os compromissos de um governo que se elegeu prometendo proteger minorias. Dá para imaginar o grau de constrangimento nos corredores do Palácio do Planalto diante desse dilema, que ganha dimensão ainda maior – e mais espinhosa – porque envolve não só o titular do Ministério dos Direitos Humanos, como a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, supostamente uma das vítimas do sr. Almeida. Qualquer que seja o desfecho, vai deixar a turma identitária indignada, criando atritos justamente numa parte da sociedade em que os petistas se julgam soberanos.

A bem da verdade, já há muitos motivos para indignação, a começar pelo fato, agora conhecido, de que o governo sabia das denúncias há bastante tempo, e que só resolveu agir depois que o caso veio à tona, no dia 5, por meio do site Metrópoles. Também é digno de nota o fato lamentável de que o sr. Almeida escolheu usar os canais oficiais do Ministério dos Direitos Humanos para se defender num caso obviamente privado. Nas suas redes sociais, o Ministério afirmou ainda que a ONG Me Too Brasil teria tentado “mudanças indevidas no formato da licitação” do Disque 100, canal de recebimento de denúncias da pasta. É um assunto que nada tem a ver com as graves denúncias que pesam sobre Almeida, mas a nota claramente visa a desqualificar a ONG – que se queixou de que “esse tipo de reação é comumente adotada por acusados de assédio, que recorrem a campanhas de desmoralização das vítimas, buscando desqualificá-las, na tentativa de desviar o foco e atacar o mensageiro”.

Tem razão o sr. Almeida ao exigir que “qualquer denúncia deve ser investigada com todo o rigor da lei”, além de cobrar que os fatos sejam expostos para que possam ser apurados e processados. O direito de ampla defesa, o devido processo legal e a presunção de inocência ainda estão vigentes neste país. Mas a primeira-dama Janja da Silva já sentenciou Almeida, ao postar em suas redes sociais uma foto em que demonstra apoio à ministra Anielle Franco, numa imagem sem legenda – de resto, desnecessária.