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A ‘surpresa’ de Lula com os subsídios

Proporção de benefícios tributários no PIB pode até impressionar leigos, mas jamais deveria impressionar Lula da Silva, que contribuiu muito para ampliá-los em seus mandatos anteriores

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Por Notas & Informações
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O presidente Lula da Silva ficou “extremamente mal impressionado” com o aumento do peso dos subsídios nos últimos anos, segundo relato da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Lula participou nesta semana de reunião da Junta de Execução Orçamentária, ocasião em que teria finalmente tomado conhecimento sobre o tamanho do problema. “De repente, você descobre que tem R$ 646 bilhões de benefícios fiscais para os ricos desse país”, disse Lula da Silva, em entrevista à Rádio CBN.

Considerando benefícios tributários, financeiros e creditícios, o valor chegou a R$ 646,6 bilhões no ano passado, o equivalente a 5,96% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Desse total, R$ 127,6 bilhões eram benefícios financeiros e creditícios. A maior parte, R$ 519 bilhões, era de gastos tributários, que incluem renúncias de receita, isenções ou redução de alíquotas de impostos, entre outros instrumentos que livram empresas e setores de pagar impostos.

Os números podem até impressionar leigos, mas não deveriam impressionar um presidente da República em seu terceiro mandato, mesmo porque ele contribuiu muito para o quadro. Entre 2003 e 2010, durante o primeiro e o segundo mandatos de Lula da Silva, os benefícios tributários, financeiros e creditícios avançaram de 3,02% para 4,24% do PIB – um comportamento puxado justamente pelos gastos tributários, elevados em resposta à crise financeira de 2008 e jamais retirados.

O ápice do período foi em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando eles alcançaram 6,65% do PIB. Lula 3, no entanto, já tem subsídios para chamar de seus. Não pode, portanto, dizer-se impressionado pelo resultado de suas próprias ações. A indústria automotiva receberá R$ 19 bilhões no enésimo programa, o Mover, lançado no ano passado a pretexto de estimular investimentos na descarbonização da frota.

Não seria justo atribuir toda a responsabilidade por essas ações ao Executivo. O Legislativo deu aval a muitas dessas medidas e, mais recentemente, passou a propor novos benefícios de autoria dos próprios parlamentares, como no caso do Perse, criado para ajudar o setor de eventos a se recuperar das perdas da pandemia de covid-19 e que, como todo programa temporário, já foi renovado.

À revelia do governo, o Congresso discute ampliar os limites de enquadramento no Simples para micro e pequenas empresas e microempreendedores individuais, já bastante generosos. Líder no ranking de renúncias, o programa deve chegar a quase 24% do total dos benefícios tributários deste ano, mas, ao longo do tempo, tornou-se praticamente intocável.

Manter o Simples e a Zona Franca de Manaus fora do alcance da reforma tributária foi parte da estratégia bem-sucedida do governo para garantir o avanço da proposta no Congresso. E, embora o Executivo tenha proposto a redução dos gastos com a desoneração da cesta básica, um programa sabidamente regressivo e que proporcionalmente beneficia os mais ricos, os parlamentares resistem à iniciativa.

Tentar reduzir os gastos tributários é mexer em vespeiro, como percebeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando tentou acabar com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos por meio de uma medida provisória. Antes dele, seus antecessores também tentaram impedir a prorrogação do benefício, sem sucesso. No governo Temer, a lista de beneficiários até foi bastante reduzida, mas para compensar o subsídio concedido ao diesel após a greve dos caminhoneiros.

É legítimo que os setores pleiteiem benefícios tributários para suas áreas. Cabe ao governo analisar as solicitações com profundidade, avaliar seus custos e benefícios, estabelecer objetivos e metas quantificáveis, monitorar sua execução e, sobretudo, estabelecer um prazo para que eles possam acabar.

Não basta, como Lula diz, estabelecer contrapartidas aos subsídios, como a criação ou manutenção de empregos. Enfrentá-los exige mais que discursos fáceis que não passam de tentativa de se livrar da premente necessidade de fazer um ajuste fiscal.