Um dos compromissos firmados pelo Brasil por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU) é o de reduzir, até 2030, a mortalidade materna para no máximo 30 falecimentos a cada 100 mil nascidos vivos. Para tanto, é essencial que iniciativas como a Rede Alyne, programa do Ministério da Saúde que visa a reduzir em 25% a mortalidade materna até 2027, prosperem. Em 2022, a razão de mortalidade materna no Brasil foi de 57,7, bastante superior ao referido nos ODS. Entre mulheres pretas, o índice foi praticamente o dobro, 110,6, uma triste corroboração de que esta, como muitas outras tragédias brasileiras, tem profundo recorte racial. Para atacar o problema, a meta do governo para a redução de mortalidade entre mães pretas até 2027 é necessariamente mais ousada: 50%. Mais que ambição ao traçar o objetivo, contudo, é preciso que a iniciativa seja efetivamente executada.
Em 2002, Alyne Pimentel, jovem negra de 28 anos grávida de seis meses, morreu enquanto buscava assistência médica no município de Belford Roxo (RJ). Vítima de uma série de descasos – entre os quais mau atendimento, negligência médica e falta de ambulância –, Alyne não apenas perdeu o bebê que carregava no ventre, como acabou ela mesma falecendo dias depois, deixando sem mãe uma filha de 5 anos. A morte evitável de Alyne resultou em uma condenação internacional até então inédita no mundo ao Brasil, por violação de direitos humanos das mulheres a uma maternidade segura. A tragédia de Alyne, que agora batiza o programa do governo que visa a enfrentar as mortes evitáveis de mães, segue repetindo-se Brasil afora, sobretudo entre mulheres pobres que, por razões históricas, são majoritariamente pretas ou indígenas.
Enfermidades como a hipertensão, para a qual medidas simples (e bem menos custosas) como a prevenção são comprovadamente eficazes, estão entre as principais causas de mortalidade materna no Brasil. Embora a prevalência de quadros hipertensos seja, por questões genéticas, maior na população negra, é inadmissível que grávidas morram vítimas de doenças que podem ser controladas até mesmo sem a necessidade de medicamentos (quando os casos são leves), se houver acesso à informação e acompanhamento da gestante. Outras causas de mortes evitáveis de mulheres grávidas são hemorragias e infecções, eventos cuja letalidade também é sensivelmente reduzida quando há acompanhamento. O pré-natal, atenção específica que vai do momento da confirmação da gravidez até a hora do parto, é fundamental para a detecção e tratamento de doenças maternas ou fetais. É o básico, e o básico salva vidas.
Como mulheres pretas seguem morrendo desproporcionalmente durante a gestação, é elogiável, então, que o Ministério da Saúde tenha reestruturado o programa de atenção materna na rede pública, antes conhecido por Cegonha, e agora rebatizado como Alyne. Contudo, é preciso mais que uma iniciativa bem-intencionada para que a gravíssima questão da mortalidade materna seja resolvida. No lançamento do programa, no mês passado, o Ministério da Saúde prometeu mais recursos e integração da rede de saúde pública para que gestantes não tenham mais de peregrinar em busca de assistência médica. De acordo com a pasta, haverá um novo financiamento, com custeio mensal de R$ 50,5 mil, para ambulâncias destinadas à transferência de gestantes e recém-nascidos em estado grave.
Há ainda a promessa de “distribuição mais equitativa dos recursos para reduzir desigualdades regionais e raciais”. Os investimentos no programa como um todo devem chegar a R$ 1 bilhão em 2025 – neste ano, serão de R$ 400 milhões.
Todas essas medidas parecem extremamente razoáveis e, se implementadas, podem sim contribuir para que o Brasil deixe de matar suas grávidas, mulheres que muitas vezes deixam recém-nascidos e filhos mais velhos sem mãe. Mas, por mais bem desenhado que o programa seja, o histórico do Brasil de não avançar com políticas públicas fundamentais é farto. Tomara que desta vez seja diferente.