O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha uma tarefa difícil de ser cumprida nesta segunda-feira: convencer o País de que o governo ainda tem como meta zerar o déficit fiscal em 2024. Bem que ele tentou, mas o presidente Lula da Silva tornou seu trabalho impossível.
Como reafirmar um compromisso sobre o qual já havia muito ceticismo sem desautorizar o chefe? Havia pouquíssimas formas de fazê-lo de maneira convincente, mas a convocação de uma entrevista, logo após uma reunião entre Haddad e o presidente, alimentou expectativas.
Esperava-se de Haddad que dissesse que Lula não escolheu bem as palavras ou foi mal interpretado. Não seria o primeiro nem o único ministro da área econômica a fazê-lo. O que se viu, porém, foi bastante constrangedor. Depois de um fim de semana de silêncio, Haddad ainda achava que poderia tergiversar.
Primeiro, chegou ao Ministério acompanhado dos economistas Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira, nomes indicados para a diretoria do Banco Central (BC). Numa segunda-feira normal, este seria um tema de muito interesse da imprensa. Não era o caso.
Depois de apresentá-los, o ministro passou a meia hora seguinte a repetir a importância de medidas para recuperar a arrecadação e a lamentar decisões do Congresso, do Judiciário e de governos anteriores que contribuíram para erodir a base fiscal. Sem corrigi-las, não seria possível elevar as receitas – e este, segundo Haddad, teria sido o contexto no qual Lula se baseou para reduzir a importância do déficit zero.
Claro que não colou. Incisivamente questionado pelos jornalistas sobre a meta fiscal do ano que vem, o ministro passou a responder às perguntas com ironia e irritação. Por fim, referiu-se à meta de déficit zero como “minha meta” e encerrou a entrevista no momento em que foi instado a explicar claramente o que queria dizer com isso. Não respondida, a dúvida era pertinente: afinal, a meta fiscal de Haddad é a meta fiscal de Lula?
O ministro pode ter a meta que quiser, desde que esteja combinado com seu chefe. Do contrário, não será uma meta crível. Desde sempre, todos sabiam, inclusive dentro do governo, que a meta de déficit zero era utópica, e nunca ficou claro como Haddad pretendia reverter o rombo das contas públicas em tão pouco tempo sem anunciar medidas estruturais para aumentar impostos ou reduzir os gastos públicos.
Que a base fiscal do governo tem sido corroída nos últimos anos não é segredo para ninguém. A maior evidência disso é que as receitas não têm acompanhado o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O superávit pontual atingido em 2022 não teria sido alcançado se não fosse a disparada das cotações do petróleo.
As despesas, por outro lado, têm subido de forma constante nos últimos anos e tiveram um impulso extra, muito além do necessário para recompor o Orçamento destroçado pelo então presidente Jair Bolsonaro, na emenda constitucional da transição – e isso no primeiro ano de mandato de Lula, período preferencial para os governantes adotarem medidas mais austeras.
Atingir o déficit zero era impossível. O que todos queriam saber é se Haddad ainda contava com o respaldo político do presidente para perseguir ativamente a meta e defendê-la. Sua irritação demonstrou que não.
O incômodo do ministro é compreensível, mas ele terá de começar a se acostumar. As enfáticas perguntas dos repórteres, que Haddad não gostou, voltarão a ser feitas pelo setor produtivo, pelos investidores e pelos parlamentares.
Durante a entrevista, o dólar voltou a se valorizar ante o real, a despeito da onda de enfraquecimento da moeda norte-americana no exterior; o Ibovespa caiu, descolado da alta registrada nos mercados internacionais; e os juros futuros continuaram a subir, embora seja esperado que o Banco Central anuncie uma nova redução dos juros amanhã. Não foi um movimento meramente especulativo, mas demérito do desacreditado Haddad.
Não é improvável que deputados e senadores, ao discutirem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, se sintam à vontade para propor a alteração da meta à revelia do ministro. Mas, se hoje Haddad sangra em praça pública, a culpa não é das perguntas incisivas da imprensa. É da sinceridade irresponsável do presidente da República.