Em 2012, um jovem invadiu uma escola do distrito de Sandy Hook, em Connecticut, nos EUA, e matou 20 crianças de seis e sete anos, além de seis funcionários e a própria mãe, antes de se matar. Dez anos depois, o massacre volta a ganhar destaque na mídia, não tanto em razão do debate sobre como combater tiroteios em massa, mas sim sobre como combater mentiras em massa.
Imediatamente após a tragédia, o radialista de extrema direita Alex Jones, criador do site de desinformação InfoWars, afirmou que o ataque foi uma “gigantesca encenação” do governo para justificar o confisco de armas dos cidadãos. Os pais passaram a ser alvo de ameaças de morte e assédio. Muitos se mudaram para longe e têm medo de visitar os túmulos de seus filhos. Ter um filho assassinado por um psicopata é um inferno inimaginável. Mas ser forçado a se esconder por fanáticos políticos acrescenta um grau intolerável de tortura. “Cada uma dessas famílias estava se afogando no luto, e Alex Jones colocou o pé em cima delas”, disse um dos advogados dos pais.
Jones acaba de ser condenado por um júri de Connecticut a indenizar 14 parentes das vítimas e um agente do FBI em valores que beiram US$ 1 bilhão.
O caso é emblemático por se passar em um país onde o direito à liberdade de expressão é quase absoluto. Quase: a jurisprudência constitucional norte-americana é notoriamente permissiva em relação a abusos que desafiam legisladores e juristas ao redor do mundo, como desinformação, discursos de ódio ou ataques à democracia. Mas Jones não foi condenado por esses abusos, e sim por difamação. É um sinal de que a liberdade de expressão tem limites. A Primeira Emenda não é uma licença para disseminar fraudes e, se elas deixarem vítimas, o preço pode ser alto.
Uma das mães das crianças comparou o conspiracionismo a um vírus: sempre em mutação, tornando-se endêmico em uma sociedade que lida com “fatos alternativos”. Teorias da conspiração sempre existiram. Mas em nosso tempo há peculiaridades. “Vemos hoje algo diferente: ‘a conspiração sem a teoria’”, disseram em entrevista à revista The Economist N.L. Rosenblum e R. Muirhead, autores do livro The New Conspiracism and the Assault on Democracy. “Seus proponentes dispensam evidências e explicações. Suas acusações tomam a forma de afirmações cruas.” Outras peculiaridades alarmantes são os meios de difusão e a proximidade ao poder.
A desgraça das famílias e a fortuna de Jones – que ganhou milhões vendendo produtos em seu site – foram ampliadas pelos algoritmos das redes sociais, que facilitaram a disseminação de conteúdos ultrajantes, porque conteúdos ultrajantes geram engajamento. Em 2018, as redes tiraram de Jones sua plataforma, mas continuam a disseminar outras mentiras em troca de cliques.
Seria tentador dispensar Jones como um fenômeno marginal. Mas, pouco antes das eleições de 2016, ele entrevistou Donald Trump, desfez-se em elogios e recebeu elogios em troca. No Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro, é o principal artífice de uma teoria da conspiração contra o sistema eleitoral. E o presidente da maior potência nuclear do planeta, o russo Vladimir Putin, é um implacável difusor de teorias conspiratórias.
“Há quem diga que devemos combater fogo com fogo e retaliar acusações conspiratórias raivosas e infundadas de deslealdade e ilegitimidade na mesma moeda”, dizem Rosenblum e Muirhead. “Já nós pensamos que a melhor maneira de resgatar a realidade é combater fogo com água: o recurso escrupuloso a argumentos, evidências e explicações disponíveis a qualquer um e, sobretudo, sujeitos à correção.”
Sem prejuízo das compensações às vítimas dos teóricos da conspiração, o combate às suas mentiras é uma responsabilidade coletiva, que deve envolver governos, empresas de tecnologia, a sociedade civil e cada cidadão. “Onde quer que o conspiracionismo esteja remodelando a vida pública, dois preventivos são vitais”, afirmam Rosenblum e Muirhead: “Defender a integridade das instituições que produzem conhecimento e impulsionar a confiança no lastro do senso comum”.