O protecionismo de lado a lado ameaça a mais propícia oportunidade de conclusão do acordo União Europeia-Mercosul. As chances de assinatura do pacto até o fim deste ano esmoreceram no encontro entre o presidente Lula da Silva e a presidente Ursula von der Leyen, da Comissão Europeia, no último dia 12, em Brasília. Contornar as recentes demandas de proteção, camufladas como cláusulas ambientais e instrumentos de política industrial, dependerá de vontade política não muito clara nos dois blocos.
As discussões de um ambicioso acordo entre Mercosul e União Europeia, que abarca comércio, investimentos e inúmeras vias de cooperação, começaram em 1997 para reforçar a aliança estratégica entre os blocos. Atravessaram momentos de crise financeira internacional, de ondas protecionistas e de pandemia. Na atualidade, o empecilho é a incerteza sobre a preservação do acerto de 2019.
Deste lado do Atlântico, é evidente a resistência de parte do governo Lula à conclusão do acordo. Não está motivada pela reavaliação técnica do texto modesto de 2019 que, negociado pelo governo Itamar Franco e fechado sob Jair Bolsonaro, recebeu as bênçãos dos setores produtivos, mas sim pela tradicional convicção lulopetista contrária a arranjos de liberalização comercial com potências.
Ao condenar o “desequilíbrio” do acordo, diante de Von der Leyen, Lula não deixou claro se ainda alimenta essas velhas convicções ou se se valeu da crítica como elemento tático para forçar a União Europeia a renegociar o capítulo sobre compras governamentais. Não é de hoje que o presidente defende a reserva de mercado na aquisição dos governos aos fornecedores nacionais como instrumento de política industrial. A velha retórica desalinhada ao interesse nacional, porém, não sobrevive a uma boa lida no acordo, que prevê a abertura gradual e lenta desse mercado. Portanto, haveria tempo mais que suficiente para a preparação dos setores nacionais, apoiados por políticas públicas, a um ambiente de maior competitividade.
É certo que, do outro lado do Atlântico, setores protecionistas resistem ao acordo a pretexto de preocupações ambientais. No mesmo dia 12, quando Von der Leyen se reuniu com Lula, a Assembleia Nacional da França aprovou resolução em favor da denúncia do acordo birregional, supostamente porque este não contempla regras ambientais e sanitárias rígidas como as impostas por Bruxelas a seus agropecuaristas.
Outras duas iniciativas de Bruxelas na mesma seara já haviam contaminado o diálogo por terem sido adotadas quando o Brasil, sob Lula, impulsiona uma agenda crível de combate ao desmatamento. A primeira deu-se em março, quando a Comissão Europeia enviou ao Mercosul uma side letter sobre os compromissos ambientais do acordo.
Em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em maio, o chanceler Mauro Vieira condenou o “viés protecionista” do documento, sob a alegação de que permitiria sanções e retaliações por descumprimento de regras de meio ambiente. Porém, a leitura técnica do texto, feita pelos economistas Sandra Polônia Rios e Pedro da Motta Veiga em artigo no Estadão, amorna o tom do Itamaraty. O documento detalha o capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável do acerto de 2019 – que não prevê sanções e retaliações baseadas em compromissos ambientais.
A outra razão de contrariedade foi a aprovação pela Comissão Europeia, neste mês, de legislação que impõe restrições unilaterais às importações de sete commodities se produzidas em áreas derrubadas de florestas tropicais. O Brasil é um dos alvos da medida.
Lula da Silva, Von der Leyen e os demais líderes envolvidos já têm em mãos as estimativas de benefícios econômicos e políticos resultantes desse acordo. O atual impasse exigirá a deliberação e o compromisso de parte a parte, sem artifícios para ganhos adicionais em detrimento do outro lado. Por fim, mas não menos relevante, há outro fato inexorável a se considerar: o prejuízo de perder essa oportunidade será compartilhado pelos dois lados do Atlântico.<SC343,108>