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Adaptar as cidades às mudanças climáticas

Tão importante quanto a mitigação do aquecimento global é a adaptação aos seus impactos. Com soluções simples, mas eficazes, as cidades podem reduzir imensamente riscos, danos e mortes

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Por Notas & Informações
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A era dos impactos climáticos coincide com a era da urbanização. Em nossa geração, pela primeira vez na história, a população urbana superou a rural. Em 2050, 7 em 10 pessoas viverão em cidades. A mistura de densidade populacional com riscos climáticos como temperaturas extremas, secas ou inundações augura toda sorte de desastres, de blecautes a doenças respiratórias, de falta de água a mortes em enchentes.

Felizmente, desde sempre o ser humano se mostrou um mestre da adaptação a ambientes extremos, dos glaciais aos desérticos. Há um século, cerca de meio milhão de pessoas morriam anualmente por desastres naturais. Hoje, mesmo com mais extremos climáticos e uma população quatro vezes maior, são menos de 10 mil.

“As cidades são viveiros de ameaças climáticas, mas também viveiros de soluções climáticas”, disse Jessica Troni, do Programa Ambiental da ONU. Cada cidade tem seus desafios particulares, mas, sejam quais forem, há ações com alto potencial de ampliar a resiliência sistêmica às mudanças climáticas, como avaliações de risco; incorporação de riscos climáticos ao planejamento urbano; protocolos e sistemas de alarmes para eventos extremos; e seguros contra desastres naturais.

Na França, por exemplo, morreram em 2003 cerca de 15 mil pessoas por ondas de calor. Desde então o país desenvolveu políticas variadas, de tratamento médico direcionado a mais piscinas públicas e instalações de ar-condicionado. Em 2019, morreu menos de 1,5 mil. Em Bangladesh, em algumas décadas, sistemas de alerta e evacuação e barreiras marítimas reduziram as mortes por ciclones de centenas de milhares para algumas dezenas por ano, ainda que as tempestades estejam igualmente severas e o aumento populacional tenha ampliado os riscos.

Consultando especialistas e estudos, o Estadão levantou seis áreas de ação para adaptar as cidades brasileiras. Na saúde pública, as temperaturas extremas ampliam os riscos de agravamento de doenças crônicas, especialmente cardiovasculares. Alertas a hospitais e pessoas podem mitigar esses riscos. A distribuição de desinfetantes pode reduzir riscos associados à insalubridade da água em períodos de seca. Uma remoção mais eficiente do lixo urbano e programas de vacinação podem diminuir a incidência de doenças infecciosas transmitidas por insetos em épocas de chuva e calor.

A expansão de áreas verdes, não só grandes parques, mas pequenos núcleos e árvores nas ruas, além de criar ambientes mais agradáveis, promove mais conforto térmico e melhor drenagem do solo.

Os riscos associados a enchentes e deslizamentos podem ser imensamente reduzidos com sistemas de alerta e evacuação eficientes. A médio prazo, é preciso programar obras de contenção. No caso de áreas de alto risco, não há alternativa à desocupação.

Centros de atendimento que podem servir desde abrigo durante inundações ou vendavais até como locais de refrigeração e postos de hidratação precisam levar em conta as dificuldades de mobilidade, especialmente em situações extremas, e serem mais bem distribuídos territorialmente. Esses “oásis urbanos” ou “refúgios climáticos” não precisam ser necessariamente gigantes, como parques. Podem ser simplesmente as áreas externas de escolas, como se faz em Paris.

A subida do nível do mar afetará as cidades costeiras. Cidades do mundo em que esses impactos são mais severos já investem na construção de diques, como na Holanda. No caso do Brasil, a primeira medida é reconstituir a vegetação costeira e preservar recifes de coral e áreas de mangue.

As cidades são agentes e vítimas das mudanças climáticas. Dessa dupla condição deriva um duplo desafio: mitigação do aquecimento global e adaptação aos seus impactos. A primeira consiste em ações globais e difusas, cujos benefícios serão sentidos, sobretudo, nas próximas gerações. A segunda consiste em ações focadas na singularidade de cada localidade, cruciais para salvar vidas e garantir prosperidade já. A educação é chave para equacionar esses dois desafios e construir políticas realistas e inteligentes para viver bem no novo clima.