Demagógico, errado e potencialmente desastroso é o projeto de alteração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis aprovado na Câmara. É demagógico por expressar um rasteiro populismo, errado como remédio para o aumento de preços e potencialmente desastroso para os Estados e municípios, se passar pelo Senado e for convertido em lei. Senadores ainda poderão evitar esse golpe contra as finanças públicas e – de fato – contra mais de 200 milhões de pessoas dependentes de serviços estaduais e municipais. Nenhum brasileiro, rico ou pobre, pode dispensar pelo menos a segurança pública, a Justiça e os socorros de emergência proporcionados pelos governos subnacionais.
Secretários estaduais estimam perda de R$ 24 bilhões para os Estados e de R$ 6 bilhões para os municípios. Se o prejuízo for grande para os Estados mais dependentes de transferências federais, o problema poderá bater no poder central.
Aprovado na Câmara por 392 votos a 71, o projeto determina a adoção, em cada Estado, de um valor fixo para o ICMS cobrado sobre combustíveis. Atualmente a incidência ocorre por meio de alíquotas fixas. As autoridades estaduais podem determinar o peso da tributação. As alíquotas variam de 25% a 34% sobre a gasolina, de 12% a 25% sobre o diesel, de 12% a 30% sobre o etanol e de 12% a 25% sobre o gás de cozinha.
Teria sentido pensar na unificação dessas porcentagens, como forma de aperfeiçoar e simplificar o sistema tributário, mas esse debate seria delicado, porque a composição da base tributária varia entre Estados. De toda forma, seria tolice, e provavelmente um embuste, tomar essa iniciativa como possível solução para a alta de preços.
O novo ataque às finanças estaduais e municipais é continuação de uma campanha iniciada há meses pelo presidente Jair Bolsonaro e apoiada, recentemente, por um de seus mais solícitos associados, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira. Na origem dessa campanha há uma confusão grotesca, típica de um presidente despreparado, ignorante de fatos elementares da administração pública e primariamente populista. Nessa confusão, fascinante para mentes desinformadas e enevoadas, o ICMS é visto como uma das causas do aumento de preços dos combustíveis.
A bobagem é evidente para qualquer pessoa passavelmente informada e capaz de raciocinar. O ICMS apenas incide sobre um preço tomado como base. Vários fatores bem conhecidos podem determinar a variação desse preço ou dos preços tomados como referência para a composição de um valor ponderado. As cotações internacionais do petróleo e de seus derivados, a oscilação do dólar em relação ao real e a evolução dos custos da Petrobras são alguns dos mais evidentes. Além disso, o nível de preços no mercado interno e o seu grau de flexibilidade são vinculados ao grau de concorrência, notoriamente baixo, nos setores de exploração e refino dos combustíveis.
Não há como incluir o ICMS entre esses elementos causais. O imposto pode ter um grande peso na composição final do preço, mas de nenhum modo está vinculado à variação desse valor. Gente incapaz de distinguir entre a composição e a variação de um preço pode incorrer em outros enganos, alguns muito graves, como acreditar em Bolsonaro. Se o ICMS for zerado, o preço final hoje pago pelos consumidores poderá diminuir. Mas os valores voltarão a subir, com ou sem imposto, se houver aumento das cotações internacionais ou do preço do dólar negociado no Brasil.
Uma das causas principais da valorização do dólar em relação ao real – provavelmente a principal – tem sido a insegurança quanto às condições econômicas e à evolução das contas públicas. Essa insegurança, produzida principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, afeta os preços dos combustíveis por intermédio do dólar, mas esse fato é pouco lembrado, em Brasília, quando se fala dos preços da gasolina, do diesel e do gás. A insegurança também cresce, com reflexo no câmbio, quando Bolsonaro e o Centrão cuidam fisiologicamente da partilha do Orçamento.