A esta altura, a cupidez do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Antonio Dias Toffoli por desmantelar integral e definitivamente a Operação Lava Jato já se insere entre os momentos mais baixos da Corte em toda a sua história republicana. O silêncio obsequioso dos pares diante de uma verdadeira razia promovida pelo sr. Dias Toffoli desde setembro de 2023, quando não a complacência em certos casos, conspurca ainda mais a aura de isenção e legitimidade que deve recobrir a mais alta instância do Poder Judiciário.
Graças ao monocratismo do ministro, a sociedade, a um tempo perplexa e indignada, passou a ser humilhada por criminosos confessos, alguns outrora muito poderosos, que hoje se apresentam como “vítimas”, ora vejam, de um esquema de persecução penal que estaria carcomido por vícios processuais de cima a baixo. Sob o domínio desse espírito purgador que parece guiar a mão de Dias Toffoli não há matizes. Tudo o que provém da Lava Jato, invariavelmente, há de ser anulado por erros, em tese, generalizados e insanáveis – e tudo isso, claro, a bem do Estado Democrático de Direito, como sustenta Sua Excelência.
Ao Brasil decente resta pouco além do conforto de ao menos perceber que ainda há, no plano institucional, quem se erga contra decisões suspeitas – pois suspeito é Dias Toffoli, certa vez qualificado como “o amigo do amigo de meu pai” por Marcelo Odebrecht – exaradas por um magistrado que se mostra engajado numa cruzada pessoal contra os fatos, movido sabe-se lá por quais razões. É como um alento, portanto, que este jornal recebeu o contundente recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão de Dias Toffoli que anulou todos os processos no âmbito da Lava Jato contra o prócer petista Antonio Palocci.
Como se sabe, Dias Toffoli estendeu ao ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, respectivamente, os benefícios concedidos ao presidente da República, aos empresários Marcelo Odebrecht e Raul Schmidt Felippe Júnior e ao ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB). Em termos ainda mais duros do que os empregados em outros recursos contra as decisões monocráticas de Dias Toffoli envolvendo condenados na Lava Jato, o procurador-geral Paulo Gonet desmontou, um a um, os argumentos falaciosos da defesa do sr. Palocci para lhe fazer parecer merecedor da condição de inocente. Em que pese o fato de não ter feito nada além de cumprir seu dever profissional, a defesa, data maxima venia, aproveitou-se da tese geral do “conluio” formulada por Dias Toffoli para também adentrar na senda do realismo fantástico aberta pelo ministro do STF.
Em um dos trechos mais certeiros de sua peça, Paulo Gonet sustenta que “o pleito formulado (pelo réu Antonio Palocci) não se sustenta em vícios processuais concretos ou na ausência de justa causa”, mas sim, prossegue o chefe do Ministério Público Federal, “na pretensão de se desvincular de um acervo probatório autônomo, válido e robusto, cuja existência, em parte, foi reconhecida por ele próprio em sua colaboração premiada”. Não se trata de uma opinião ou de um mero recurso retórico do procurador-geral. Trata-se de um fato. Palocci é um criminoso confesso que foi assistido por alguns dos mais competentes advogados do País, que seguramente o teriam orientado a não confessar crimes sob quaisquer tipos de coação estatal.
Merecem destaque os adjetivos “autônomo”, “válido” e “robusto” escolhidos pelo procurador-geral em seu agravo interno – no qual Gonet pugna pela reconsideração de Dias Toffoli ou remessa do caso para análise do plenário do STF – porque eles dizem muito sobre a fragilidade da tese do “conluio” – ademais sustentada por provas obtidas por meio ilegal – e sobre a inaplicabilidade das decisões específicas de um determinado processo a casos envolvendo réus e situações factualmente distintas.
Espera-se que o Supremo, cioso de sua responsabilidade, reforme uma decisão monocrática que atropela a lógica, os fatos e a própria crença da sociedade no sistema de Justiça.