A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou um projeto de lei, de autoria da deputada Marina Helou (Rede), que restringe o uso de celulares nas escolas das redes pública e privada em todo o Estado, inclusive durante os intervalos entre as aulas. Trata-se de um passo fundamental para devolver aos professores a atenção de seus alunos em sala de aula, um pressuposto comezinho para o sucesso do processo de aprendizagem, e uma bem-vinda ação, na medida das limitações da Alesp, para conter os danos à saúde mental de crianças e adolescentes causados pela alta exposição às telas.
A votação foi simbólica, sinal evidente de que o consenso entre parlamentares aliados do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a oposição prevaleceu na Alesp. De fato, à luz de não poucas pesquisas acadêmicas em variadas áreas do conhecimento, pululam as evidências dos males causados às crianças e adolescentes, sobretudo às primeiras, pelo uso incessante dos celulares.
No ano passado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicou um relatório, tido como referência por especialistas em questões ligadas à infância e à juventude mundo afora, relacionando o uso de celulares e indicadores educacionais em 14 países. Para surpresa de praticamente ninguém, a Unesco evidenciou que esses aparelhos provocam danos à memória e comprometem a capacidade de compreensão dos alunos sobre os conteúdos pedagógicos expostos em sala de aula. Outras pesquisas, como indicou reportagem do Estadão, mostram que a retomada da concentração perdida pelo aluno durante a aula pode levar até 20 minutos.
O projeto aprovado pela Alesp, que decerto será sancionado por Tarcísio de Freitas, não é propriamente inédito, mas pode ser considerado o marco jurídico mais moderno do País no que concerne ao uso de celulares no ambiente escolar. Os deputados paulistas tiveram o cuidado de não proibir completamente o uso dos aparelhos, o que seria absurdo. O projeto faz as devidas ressalvas ao uso da tecnologia com objetivos exclusivamente pedagógicos, de resto uma imposição da realidade de um mundo em ininterrupta transformação digital, e ao suporte que os celulares podem oferecer a determinados alunos que dependem do aparelho para o seu bem-estar.
Em que pese o mérito da Alesp em aprovar a restrição de uso dos celulares, atendendo aos anseios de professores, pedagogos, médicos e psicólogos, é um erro grave pensar que uma lei, por si só, tem o condão de fazer desaparecer um problema que aflige a sociedade como um passe de mágica. O uso excessivo dos celulares, ou, nos casos mais graves, o chamado Transtorno de Dependência de Tela, não é um problema das escolas, e sim um problema de toda a sociedade a partir de suas células mais básicas, as famílias.
Como bem lembrou Renata Cafardo, repórter e colunista de Educação deste jornal, “o celular sai da escola, mas não sai da vida de crianças e adolescentes paulistas”. Os aparelhos, há alguns anos, fazem parte da vida cotidiana não só desses jovens, como também de suas mães, pais e responsáveis. Portanto, por melhor que seja, e o projeto aprovado pela Alesp é bom, não há lei no mundo capaz de substituir o bom diálogo familiar.
Noutras palavras: o processo de aprendizagem seguirá comprometido se a restrição ao uso de celulares nas escolas for tomada por toda a sociedade como uma medida que basta por si só. Este, como já dito, foi um passo fundamental, mas apenas isso: um passo dado na direção correta em uma longa caminhada que, a depender de seu curso, poderá levar a uma melhor formação educacional dos chamados “nativos digitais”, mas não só.
O mundo está em franca transformação tecnológica, cujos desdobramentos podem ser observados nas mais variadas dimensões da experiência humana, das mais comezinhas às mais sofisticadas. O desafio de uma geração é preparar suas crianças e adolescentes para essa realidade sem repelir a tecnologia, pois ocioso, mas empregando-a como ferramenta de apoio ao desenvolvimento pessoal desses jovens cidadãos.