Após a visita do ditador Kim Jong-un à Rússia em 2023, Vladimir Putin retribuiu a gentileza e viajou, pela primeira vez em 24 anos, à Coreia do Norte. Os frutos imediatos são mais munição para Moscou em troca de um arremedo de legitimidade para o tirano mais isolado do mundo. Há mais coisas no escambo. Os dois anunciaram uma “parceria estratégica ampla”, cujos detalhes são desconhecidos. Mas, apesar das declarações de Putin sobre os laços históricos dos dois países e das juras de Kim por um “relacionamento inquebrantável de companheiros de armas”, a profundidade dessa parceria tem limites, e China e Coreia do Sul não deixarão de enfatizá-los.
Uma das poucas coisas que Pyongyang tem em abundância são granadas e mísseis a granel para municiar a guerra de atrito da Rússia na Ucrânia. Moscou expandiu as exportações de combustíveis e alimentos à Coreia do Norte, que ademais serve a Putin como laboratório para testar mecanismos para burlar sanções e sabotar instituições multilaterais. O risco maior e mais opaco é a transferência de tecnologias militares russas ligadas a satélites, submarinos, foguetes hipersônicos e, sobretudo, arsenais nucleares.
No minueto coreografado dos párias, não poderiam faltar elucubrações sobre a “luta sagrada”, como Kim gosta de dizer, contra o “imperialismo” ocidental. Putin publicou um ensaio no jornal estatal norte-coreano culpando as nações ocidentais pela guerra e invocando uma arquitetura de segurança para a Eurásia.
Mas essa arquitetura deve ficar em boa parte no papel, e seus fundamentos não são tão sólidos quanto os dois querem fazer crer. O Kremlin não tem interesse em fortalecer as capacidades nucleares da Coreia do Norte. A ameaça de transferência de tecnologias parece ser só isso, uma ameaça, desenhada para dissuadir a Coreia do Sul de enviar armas à Ucrânia e conquistar de Kim as armas que Moscou precisa enquanto recompõe sua produção doméstica. A Coreia do Sul sempre será um parceiro econômico mais atrativo e pode responder fogo com fogo, ameaçando com mais apoio à Ucrânia.
E há, claro, os interesses ambivalentes da China. Numa cúpula recente com Coreia do Sul e Japão, Pequim endossou uma proposta de desnuclearização da península coreana. O pacto entre Putin e Kim vem num momento tenso entre as duas Coreias, após ambas abandonarem um acordo de 2018 desenhado para reduzir hostilidades. A propósito desse pacto, como disse Fyodor Tertiskiy, da Universidade Kookmin, “não é uma relação bilateral – o grande irmão em Pequim está sempre de olho”.
À China interessa o prolongamento da guerra na Europa, mas não sua escalada; interessa a sustentação do regime de Kim, mas não seu empoderamento; interessa o confronto com o Ocidente, mas não a percepção de que ela compõe um “bloco” ou “eixo” com Rússia e Coreia do Norte.
Nem por isso o Ocidente pode negligenciar a necessidade de fortalecer parcerias no Pacífico e explorar as dissensões entre os “amigos” autocratas. Os dois parecem cada vez mais desesperados, isolados e acuados. Mas tudo isso os torna mais, não menos perigosos.