Está em curso um plano de reabilitação de Jair Bolsonaro para permitir que ele concorra à Presidência em 2026. Fossem estes tempos normais, esse cenário seria um devaneio dos apoiadores mais fervorosos do ex-presidente. Mas estes não são tempos normais, não do ponto de vista institucional. E o bolsonarismo, como se sabe, vampiriza sua força da atimia das instituições – seja pela tibieza, falta de espírito público ou desvios de comportamento de alguns de seus membros.
O Congresso só faz aumentar seu poder, pela via do controle do Orçamento, sem a devida responsabilização pelas escolhas que faz. Some-se a isso a fragmentação partidária e estão dados os reveses inauditos ao chamado presidencialismo de coalizão. O presidente Lula da Silva, por sua vez, parece alheio à realidade do País. Governa como se tivesse sido eleito por folgada maioria de ditos “progressistas”, fechado que está em seus interesses mais imediatos e na fracassada agenda do PT. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) tem agido com denodo para macular sua imagem perante a opinião pública – e não só entre bolsonaristas. Não raro, ministros têm se comportado como se fossem maiores do que a própria Corte, minando a legitimidade que não apenas é o esteio do Poder Judiciário, mas do próprio Estado Democrático de Direito.
É nesse contexto de desordem institucional que se tem tratado, à luz do dia, de algumas medidas que têm por fim anistiar o maior vândalo político que esta República democrática conheceu nos últimos 35 anos, o “mito” inspirador de uma tentativa de golpe de Estado. Nada menos. Das duas, uma: ou as instituições democráticas recobram o prumo ou o golpismo prospera.
Há poucos dias, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Caroline de Toni (PL-SC), designou o colega Rodrigo Valadares (União-SE) como relator de um projeto de lei que concede anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. Como ambos são bolsonaristas de quatro costados, não é difícil imaginar como serão os trabalhos na CCJ e o relatório final. É igualmente cristalino o fato de que ninguém se importa com a desdita dos liberticidas que tomaram Brasília de assalto naquele dia infame. Fossem mais honestos os patrocinadores desse descabido projeto de lei, dar-lhe-iam o nome de “emenda Bolsonaro”, pois é de livrá-lo da Justiça e reabilitá-lo eleitoralmente que se trata.
Em outra manobra claramente oportunista, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resolveu desengavetar um projeto de lei de 2016 que proíbe a homologação judicial de acordos de colaboração premiada firmados por colaboradores presos, além de punir quem divulgar o conteúdo das delações – uma óbvia criminalização do jornalismo profissional. São dois os objetivos de Lira com essa manobra. Primeiro, cortejar o PL, partido de Bolsonaro. Com uma bancada de 95 deputados, a sigla é crucial para a pretensão do presidente da Casa de fazer seu sucessor. No limite, o projeto – de autoria do ex-deputado petista Wadih Damous (RJ) – pode anular a delação do tenente-coronel Mauro César Cid contra o ex-chefe. Além disso, Lira sacou de seu baú de maldades mais um instrumento para fustigar Lula, que agora não tem mais qualquer interesse nesse projeto, a fim de manter o governo em rédea curta. Não à toa, Bolsonaro declarou publicamente que apoiará “o nome do Lira” à presidência da Câmara em fevereiro de 2025.
A anistia se tornou a maior obsessão de Bolsonaro depois das fracassadas tentativas, legais e ilegais, de se manter no poder. Esse arranjo intolerável, entretanto, interessa apenas e tão somente ao ex-presidente e a seu grupo político, em particular sua família.
Não é do interesse nacional perdoar os golpistas – nenhum deles. É absolutamente inaceitável tolerar qualquer indulgência com intolerantes que tentaram cassar as liberdades democráticas neste país. A punição exemplar de todos os golpistas é a melhor defesa da democracia, se não a única, contra os seus inimigos. Para estes, é preciso deixar claro que a conta de sua ousadia é pesada. Só isso poderá evitar que a barbaridade se repita.