Segundo o Relatório Mundial de Drogas da ONU, na década passada o número de usuários de drogas no mundo aumentou 23%; e o de pessoas com transtornos por uso de substâncias, 45%. É uma trágica ironia que essa escalada de intoxicação esteja sendo, em larga medida, bombeada pelo “Pulmão do Mundo”, como a Amazônia é popularmente conhecida. Nos últimos anos, o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se retroalimentam foi dinamizado com esteroides pelo narcotráfico. A Amazônia é central para a trevosa saga do tráfico, que está transformando o Brasil de um tradicional consumidor da cocaína de vizinhos em um dos maiores exportadores do mundo.
Segundo a Polícia Federal, entre 2015 e 2019 as apreensões de cocaína em portos brasileiros explodiram: de 1,5 tonelada para quase 67 toneladas ao ano. A ONU estima que o País responda por 7% das apreensões globais, só atrás de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.
A Amazônia é não só uma rota disputada para escoar a cocaína de países vizinhos nos portos do Norte e Nordeste, mas tem se mostrado um ambiente propício à ramificação e entrelaçamento de uma gama de crimes.
Em primeiro lugar, ela é vasta e difícil de monitorar. A Amazônia legal compreende quase dois terços do território nacional. Fosse um país, seria o sexto do mundo. No Brasil, abarca fronteiras com os maiores produtores de coca do mundo: Colômbia e Peru, além da Bolívia.
Entre 2012 e 2022 as apreensões de cocaína na Amazônia saltaram de 6 toneladas por ano para mais de 30. O narcotráfico está “exacerbando e amplificando um leque de outras economias criminais”, alerta a ONU, “incluindo ocupação ilegal de terras, mineração ilegal, tráfico de madeira e espécies selvagens, e outros crimes que afetam o meio ambiente”.
Segundo o Relatório, o cultivo da coca tem impacto mínimo sobre o desmatamento. O verdadeiro catalisador é a lavagem dos lucros do tráfico. Em parte, isso se deve “à abundância de recursos naturais junto a uma presença limitada do Estado, corrupção persistente e fatores estruturais relacionados à informalidade, desigualdade e desemprego”. Organizações como o PCC e o Comando Vermelho estão se diversificando em atividades altamente lucrativas. As redes tecidas por elas aceleram o desmatamento, mas também “crimes convergentes que variam de corrupção, crimes financeiros e tributários, homicídio, assaltos, violência sexual, exploração de trabalhadores e menores, até a violência àqueles que defendem o meio ambiente, incluindo indígenas”. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 1980 e 2019 os homicídios caíram 19% no Sudeste, enquanto no Norte aumentaram 260%.
A repressão a esse “ecossistema do crime” é mais complexa do que o combate à criminalidade urbana tipicamente conduzido pelos Estados. Primeiro, porque essas organizações são transnacionais, exigindo cooperação internacional entre as nações envolvidas na cadeia do tráfico, da produção ao consumo. O Exército é crucial, especialmente na guarda de fronteiras e terras públicas. Mas o mero envio indiscriminado de forças militares tem se mostrado caro e pouco efetivo. Como aponta o Fórum, “é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectam esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, Ibama, ICMBio, Judiciário, entre outros)”. De resto, regulações excessivas de proteção ambiental, por mais que sejam bem-intencionadas, podem sufocar oportunidades econômicas, aprofundando a pobreza, que, por sua vez, forma um amplo estoque de recrutamento para os orquestradores de crimes socioambientais.
O fato é que, se o País continuar a permitir que a Amazônia seja sequestrada por um narcoestado paralelo, essa fonte de riquezas naturais e saúde climática produzirá efeitos cada vez mais tóxicos para a humanidade e sua “casa comum” – e eles serão particularmente agudos para o Brasil.