É excruciante a demora do governo e do Congresso para encontrar as fontes de financiamento para retomar o auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia de covid-19. O auxílio acabou em dezembro, mas a pandemia não – e lá se vão dois meses e meio sem que o poder público tenha sido capaz de se entender sobre tão urgente demanda.
Do mesmo modo, causa indignação a notícia de que caiu em 76% o total de leitos hospitalares para tratamento de covid-19 em São Paulo que são financiados pelo governo federal. O motivo é tão prosaico quanto assombroso: terminou em 31 de dezembro a validade da emenda constitucional que criou o chamado “orçamento de guerra”, que previa recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia. Sem a emenda, faltou dinheiro.
Nos dois casos, espanta a incapacidade do governo de Jair Bolsonaro de se antecipar a problemas com data marcada para acontecer. Ante a óbvia escalada da pandemia – em Manaus, por exemplo, já se fala em uma “terceira onda” –, é simples irresponsabilidade deixar de tomar providências tempestivas. A esta altura, nada disso era imprevisível – ao contrário, o recrudescimento da pandemia foi antecipado insistentemente pelos cientistas.
Como o governo é liderado por um presidente inimigo da ciência e indiferente ao sofrimento de seus governados, nada disso deveria espantar. Enquanto o mundo civilizado passou boa parte de 2020 na corrida por uma vacina, Bolsonaro e o intendente que responde pelo Ministério da Saúde dedicaram-se a fazer propaganda de remédios sem eficácia contra a covid-19 e potencialmente perigosos, ao mesmo tempo que o presidente questionava a segurança dos imunizantes. A vacina só se tornou prioritária para o governo quando passou a ser vista por Bolsonaro como um possível ativo eleitoral.
É esse desinteresse pela sorte dos brasileiros que preside a discussão bizantina sobre a volta do auxílio emergencial. “Acho que vai ter uma prorrogação”, disse Bolsonaro, como se fosse um comentarista político, e não o presidente da República. Um presidente não “acha” nada: ordena de acordo com a lei. É para isso que serve o poder que as urnas lhe conferiram em 2018. Se a volta do auxílio emergencial é indispensável – e é –, então cabe ao presidente mandar que aconteça o mais rápido possível, tomando as decisões políticas necessárias.
Mas é precisamente isso o que Bolsonaro não quer fazer, porque tomar decisões políticas acarretam ônus diversos. Quando era deputado do baixo clero, Bolsonaro não tinha esse problema: podia exercer sua irresponsabilidade à vontade. Como presidente, contudo, deve enfrentar o peso de suas escolhas e indicar ao País uma direção clara.
Talvez o maior símbolo atual da falta de direção do governo Bolsonaro seja o incrível atraso da aprovação do Orçamento, que deveria ter sido votado no ano passado. Sem o Orçamento, não há planejamento possível, algo especialmente grave numa pandemia.
O caso da obscena queda do financiamento federal de leitos para tratamento de covid-19, que atinge vários Estados além de São Paulo, é exemplar: “Não houve planejamento. O Orçamento de 2021 é o mesmo de 2019. Simplesmente desconsiderou o Orçamento de 2020, como se a pandemia tivesse terminado em 31 de dezembro”, disse o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Lula. Segundo a Secretaria da Saúde paulista, a situação obrigou os gestores locais a gastarem mais de uma hora para outra.
Ao contrário das aparências, nada disso é de improviso. A pandemia serve aos demagogos como argumento para a irresponsabilidade fiscal, que hipoteca o futuro do País, mas rende votos. Como o Estado noticiou, os novos comandantes do Congresso, apadrinhados de Bolsonaro, querem relançar o auxílio emergencial fora do teto de gastos e sem cortar nenhuma outra despesa. Fala-se de novo em reeditar a famigerada CPMF como forma de financiar o auxílio. Seria o coroamento da desfaçatez, mas, a esta altura, já se sabe que o problema não é falta de dinheiro, mas de espírito público.