O governo brasileiro precisa reagir com cautela ao agravamento da crise econômica da Argentina, que continua sendo um parceiro comercial importante. O ideal seria demonstrar solidariedade aos nossos vizinhos, oferecendo, por exemplo, apoio diplomático nas complexas tratativas com credores internacionais. É possível, porém, que o governo do presidente Lula da Silva se sinta tentado a recorrer a medidas excepcionais para ajudar o país governado pelo “companheiro” Alberto Fernández e pela vice Cristina Kirchner, ainda mais em um ano eleitoral, em que imperam dúvidas sobre quais serão os candidatos e sobre a possibilidade de ser eleito um postulante mais à esquerda. Mas adotar providências que fujam das regras ou sejam aprovadas sem estudos detalhados e aprofundados deveria ser evitado a todo custo.
A criação de uma moeda comum para negociações comerciais entre os dois países, hipótese que voltou a ser lembrada durante a visita do presidente Lula a Buenos Aires, em janeiro, é uma dessas medidas que poderiam ser apressadas numa tentativa – equivocada – de socorrer os argentinos, já que um dos seus principais problemas é o baixo nível das suas reservas internacionais. Qualquer providência para criar uma moeda comum deveria ser cercada dos maiores cuidados e de análises sobre o impacto na balança comercial bilateral. Apesar das suas dificuldades políticas e econômicas, a Argentina continua sendo o terceiro maior parceiro comercial do país e são muito relevantes para as montadoras as exportações e importações de veículos e de peças automotivas. No ano passado, o Brasil teve um superávit de US$ 2 bilhões no comércio bilateral.
Brasília também poderia cair na tentação de buscar, como no passado recente, um programa de financiamento para exportação de serviços. Segundo o BNDES, que bancou essas operações de crédito, entre 1998 e 2017 foram desembolsados cerca de US$ 10,5 bilhões – e 89% desses recursos foram destinados a apenas seis países, entre eles a Argentina, a segunda maior tomadora, só perdendo para Angola. Adicionalmente, em 2003, foram reduzidas as taxas de juros desses empréstimos para quatro países da América Latina, incluindo as operações com os argentinos. Também nesse caso, recomenda-se cautela.
A lista de problemas argentinos é longa. O mais evidente é a aceleração do processo inflacionário. É certo que o mundo vive uma fase de aumento dos custos de produção e ao consumidor, mas o processo é muito mais grave na Argentina, onde em fevereiro a alta dos preços superou 100% pela primeira vez desde o distante ano de 1991. Em 12 meses, o índice foi de 102,5%; um ano antes, estava em 52,3%. A taxa de desemprego não é alta, ficando em 7%, mas muitos argentinos sobrevivem com salários muito baixos. Tanto que dados oficiais mostram que 19,7 milhões dos 45 milhões de argentinos são considerados pobres.
O que está sufocando a Argentina é a falta de divisas internacionais. Analistas que trabalham no setor privado calculam que as reservas líquidas do país, aquelas disponíveis de imediato, não ultrapassavam US$ 2 bilhões ao fim do primeiro trimestre deste ano. Em contrapartida, os argentinos mandaram para o exterior centenas de bilhões de dólares ao longo de anos para fugir das instabilidades econômicas. O próprio governo calcula que ainda existam US$ 300 bilhões aplicados pelos argentinos nos Estados Unidos.
As próprias autoridades econômicas da Argentina aparentemente só apostam em uma melhora no cenário em alguns anos. Em uma entrevista ao Financial Times, em janeiro, o ministro da Economia, Sergio Massa, disse que quando ele assumiu seu posto, em agosto do ano passado, “entendemos que estávamos lidando com um paciente que estava em coma”, mas que hoje está “em cuidados intensivos”. E arrematou: “Temos que levá-lo para uma enfermaria e depois sair do hospital. Esse é o meu trabalho”.
O Brasil deve ajudar esse paciente a sair da UTI, pois se trata de um parceiro regional relevante, mas não será bem-sucedido se, em nome de uma afinidade ideológica que nada tem a ver com os interesses brasileiros, der a ele drogas milagrosas que prometem curar sem sacrifícios e efeitos colaterais.