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As blusinhas e a República de Alagoas

No jogo temerário para recuperar popularidade, governo não quis assumir sua posição e por pouco não sofreu derrota numa pauta da agenda econômica, até então poupada pelo Congresso

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Por Notas & Informações
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Após muita polêmica, o Senado aprovou um projeto que restabelece a incidência de Imposto de Importação sobre as compras internacionais de até US$ 50. A taxação havia sido incluída no projeto de lei que criava o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), e por pouco não saiu do texto final.

Relator do projeto no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos-AL) fez da proposta uma plataforma política para promoção de si mesmo – e, há que reconhecer, foi muito bem-sucedido em seu objetivo. Não que o aumento dos preços das blusinhas realmente fosse o foco da preocupação do senador alagoano. O irônico é que, de fato, Cunha tinha um bom ponto.

Por mais correta que seja a tributação das compras em plataformas internacionais, como já defendemos neste espaço, o tema jamais deveria ter sido proposto da forma como foi, por meio de um “jabuti” no projeto de lei que cria o Mover, destinado à indústria automotiva.

Ao se colocar contra a taxação e retirar o trecho do projeto de lei, Cunha angariou uma atenção que nunca havia recebido desde que chegou ao Senado, em 2019. Agora, todo o País conhece o senador do baixo clero que será vice-prefeito na chapa de João Henrique Caldas (JHC). Se tudo der certo para o clã, JHC será reeleito prefeito de Maceió neste ano, renunciará ao cargo em 2026 para disputar o Senado e deixará a capital alagoana aos cuidados de Cunha – eis o verdadeiro interesse do senador.

A disputa política em Alagoas só ganhou visibilidade nacional porque o movimento vai de encontro aos planos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que também pretende concorrer a uma vaga no Senado daqui a dois anos. Na disputa por votos, Cunha e JHC seriam os políticos que lutam contra o aumento de impostos, enquanto Lira ficaria com a pecha de vilão. Lira, afinal, foi o fiador de um acordo entre o governo federal e a Câmara para viabilizar a cobrança de 20% de Imposto de Importação sobre as compras em plataformas estrangeiras.

A promessa de Lula da Silva de que vetaria a taxação das bugigangas era, evidentemente, conversa fiada. Tudo que o presidente queria era se livrar do ônus político da decisão. O Ministério da Fazenda já pretendia estabelecer o Imposto de Importação sobre as compras desde o ano passado e só recuou depois que até a primeira-dama Rosângela Lula da Silva se meteu no debate.

Ao fim dessa novela, o Senado aprovou o texto-base do projeto que criava o Mover por 67 votos favoráveis e nenhum contrário. A impopular emenda-jabuti das blusinhas, por sua vez, foi apreciada em seguida, em votação simbólica, na qual nenhum senador precisou carimbar suas digitais.

O texto, agora, volta à Câmara. Até a próxima semana, o governo terá o desafio de esfriar os ânimos de Lira, que julga ter havido quebra de acordo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava em Roma, em encontro com o papa Francisco para defender a taxação dos super-ricos, mas foi cobrado por Lira por telefone, que ameaçou, inclusive, derrubar todo o projeto do Mover caso o problema não fosse resolvido no Senado.

As blusinhas foram mais um episódio de desarticulação política com o Legislativo. Da forma como o debate evoluiu nesta semana, ficou parecendo que tudo foi culpa do senador Rodrigo Cunha, e seria muito cômodo para o governo acreditar nessa versão.

Na verdade, Cunha apenas se aproveitou da atitude pusilânime do governo para atrair holofotes para si mesmo. Tivesse o governo sido firme a respeito da importância da medida para trazer isonomia à indústria e ao varejo locais, como defende o vice-presidente Geraldo Alckmin, e para reforçar a arrecadação, tema prioritário para o ministro Fernando Haddad, nada disso teria acontecido.

Nesse jogo temerário para recuperar a popularidade de maneira populista, o governo Lula da Silva quase sofreu uma derrota em uma pauta da agenda econômica, até então poupada pelo Congresso, porque foi incapaz de unificar e assumir um discurso sobre o assunto. A continuar dessa forma, não tardará para que isso venha a ocorrer.