É um enorme equívoco distribuir dinheiro público para os partidos, que são entidades privadas e deveriam financiar suas atividades por meio de doações de seus associados e simpatizantes. Como se não bastasse tal disfuncionalidade, as legendas têm sido omissas na prestação de contas relativas aos recursos públicos recebidos. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao menos quatro em cada dez diretórios de partidos não informaram à Justiça Eleitoral como gastaram o dinheiro que receberam dos cofres públicos nos últimos anos. Além de receberem recursos do Estado, que deveriam ser investidos em outras áreas, as legendas não dão satisfação de como gastam esse dinheiro. É mais um elemento a confirmar a necessidade de uma profunda e urgente reforma política.
Segundo o TSE, de um total de mais de 100 mil diretórios partidários em cidades e nos Estados, 41,5 mil diretórios (41,3% do total) não apresentaram nenhuma prestação de contas em 2017. No ano seguinte, a situação foi ainda pior. Mais da metade dos órgãos partidários (50,5 mil) não informou à Justiça Eleitoral os dados sobre seus gastos.
A omissão na prestação de contas é especialmente escandalosa tendo em vista o volume de dinheiro público destinado às legendas. Por exemplo, em 2020, os partidos deverão receber por meio do Fundo Partidário cerca de R$ 959 milhões. O uso concreto desses recursos é definido pelo comando nacional de cada uma das 33 legendas registradas no País. É muito dinheiro envolvido para tão escasso controle.
A Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) define que “o partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exercício findo, até o dia 30 de junho do ano seguinte”. Tal redação é fruto de uma alteração aprovada pelo Congresso em 2019. Antes, o prazo para cada legenda informar sobre seus gastos terminava em 30 de abril do ano seguinte. Ou seja, abrandou-se a norma.
O diretório que não declara sua movimentação financeira à Justiça Eleitoral fica impedido de receber novas parcelas do Fundo Partidário. “A falta de prestação de contas implicará a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário enquanto perdurar a inadimplência e sujeitará os responsáveis às penas da lei”, diz o art. 37-A da Lei 9.096/95. No entanto, em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suavizou as sanções, fixando a necessidade de abertura de um processo específico contra o partido que não entregou as contas. Antes, os registros partidários eram automaticamente suspensos.
Ponto especialmente preocupante é o atraso com que a Justiça Eleitoral julga a prestação de contas dos partidos. Por exemplo, na primeira semana de junho, o TSE julgou um processo relativo a gastos partidários de 2014. No caso, foi determinada a devolução de R$ 27 milhões aos cofres públicos. Entre outros fatores, o alto grau de fragmentação partidária – são 33 partidos – dificulta enormemente a eficiência desse controle.
Tal quadro de desorganização e desleixo com as contas das legendas contrasta com a Constituição de 1988, que elenca expressamente o controle dos gastos entre os preceitos fundamentais dos partidos. “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (...) prestação de contas à Justiça Eleitoral”, diz o art. 17, caput e III da Carta Magna.
Diante do texto constitucional, é um contrassenso que a Justiça Eleitoral seja branda ao julgar as contas das legendas ou, ainda pior, não puna com rigor a não apresentação das contas dos diretórios municipais e estaduais. Além de ter dinheiro público envolvido – o que deveria ensejar plena transparência na prestação de contas –, o uso de recursos econômicos na atividade política sem o devido controle é uma clara deterioração da democracia. Não se pode tolerar esse tipo de desvio nos partidos, como se fosse algo normal. É uma deficiência grave, que provoca danos em todo o sistema.