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As emendas Pix têm de acabar

Dino cobra transparência sobre o destino de bilhões de reais em emendas, mas isso é praticamente impossível em se tratando de um sistema desenhado para evitar o escrutínio público

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Por Notas & Informações
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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino tem se destacado por seu esforço para moralizar o dispêndio de bilhões de reais em recursos públicos por meio de emendas parlamentares – uma batalha que muitos antes de sua chegada ao STF julgaram estar perdida. Desde que assumiu a relatoria de ações em trâmite no Supremo que questionam a falta de transparência na indicação e no gasto dessas emendas, Dino tem sido tratado como um desafeto por alas do Congresso Nacional dispostas a tudo para manter o controle sobre cerca de R$ 60 bilhões do Orçamento da União apenas em 2025 ao abrigo de qualquer escrutínio.

Na terça-feira passada o ministro, corretamente, aumentou um tanto mais o grau de irritação dos cupins da República, tanto com o STF como com ele, em particular. Dino determinou que, no prazo de 90 dias a contar do início de abril, Estados e municípios que receberam recursos públicos por meio de “transferências especiais”, as famigeradas emendas Pix, prestem contas de como gastaram um montante de bilhões de reais entre 2020 e 2023 sob essa rubrica orçamentária. As informações – relativas a nada menos que 6.247 planos de trabalho pendentes de envio, fruto de um acordo institucional que envolveu os Três Poderes – deverão ser prestadas a cada um dos ministérios que autorizaram os repasses aos entes federativos.

Transcorrido esse novo prazo, ninguém poderá dizer que Dino não tenha sido razoável nem dado tempo suficiente para que patronos e beneficiários das emendas Pix organizassem a documentação necessária à comprovação do uso lícito desses recursos. Quem não cometeu irregularidade ou crimes – comuns ou eleitorais – na execução dessa dinheirama, em tese, não deve ter dificuldade para apresentar suas prestações de contas até o início de julho, como determinou o ministro. Quem não tem como explicar o destino que deu aos recursos públicos que recebeu, que arque com as consequências políticas e, sobretudo, judiciais de sua displicência, para dizer o mínimo.

Com razão, Dino salientou que, malgrado todas as tentativas de conformar a disposição das emendas parlamentares com os princípios mais elementares da Constituição, o Congresso continua recalcitrante em cumprir “deveres básicos” para garantir transparência e rastreabilidade dos recursos públicos envolvidos. Ademais, o ministro comunicou que o eventual desrespeito ao novo prazo concedido por ele “implicará a configuração de impedimento de ordem técnica para execução de emendas parlamentares, sem prejuízo da necessária apuração da responsabilidade dos agentes omissos”. Ou seja, há um novo bloqueio de emendas à vista – e, consequentemente, uma nova frente de batalha entre Legislativo e Judiciário, com efeitos políticos evidentes sobre os rumos do Executivo e, principalmente, da agenda do País.

É quase certo que o prazo não será cumprido. E, se for, é muito improvável que as prestações de conta cheguem aos ministérios com um nível de qualidade técnica que, de fato, dê ensejo a uma avaliação criteriosa sobre o destino que foi dado às emendas Pix entre 2020 e 2023. São duas as razões que nos levam a essa conclusão. Em primeiro lugar, está-se falando de emendas Pix que foram destinadas aos Estados e municípios há quase cinco anos, em alguns casos. Não será surpresa se os dados – supondo que eles existiram – tiverem sido perdidos no período. Ademais, houve mudança nos governos subnacionais de 2020 para cá, o que seguramente será apontado por muitos dos “devedores” dos tais planos de trabalho como pendências de seus antecessores impossíveis de serem sanadas agora – um comportamento de gestor público típico do Brasil.

Em segundo lugar, o que Dino chamou de “desorganização institucional” é a razão de existir das emendas Pix. Fossem rastreáveis, as “transferências especiais”, de livre disposição pelos governos estaduais e municipais e supostamente voltadas ao atendimento de projetos “urgentes”, não despertariam tamanha volúpia entre seus defensores. É ocioso, portanto, esperar transparência nesse tipo de emenda. As emendas Pix simplesmente têm de acabar.

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