Por meio de uma instrução normativa (IN n.º 54) que entrou em vigor no dia 1.º de julho, o Ministério da Economia tomou mais uma iniciativa polêmica, que certamente acabará sendo judicializada. Trata-se da criação de um sistema para identificar o planejamento de greves na administração pública federal, monitorar as paralisações, promover o corte automático do ponto de cada grevista e suspender o pagamento de seus vencimentos.
Segundo a IN n.º 54, cada órgão federal é obrigado a nomear um funcionário responsável pela transmissão ao governo, diariamente e em tempo real, dessas informações. “Constatada a ausência do servidor ao trabalho por motivo de paralisação decorrente do exercício do direito de greve, os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) deverão processar o desconto da remuneração correspondente”, afirma o texto. O Sipec é um órgão vinculado ao Ministério da Economia.
A iniciativa, adotada para tentar afastar o risco de uma greve geral deflagrada pelo funcionalismo contra o projeto de reforma administrativa do governo, causou perplexidade na máquina governamental, nas universidades federais e nos meios jurídicos. Em primeiro lugar, porque o direito de greve no setor público é expressamente previsto pela Constituição. Em segundo lugar, porque, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter referendado o corte de ponto e a suspensão dos vencimentos num julgamento feito em 2016, o governo, segundo a Corte, não pode fazê-lo sem antes propor uma negociação com os sindicatos dos diversos setores do funcionalismo público. E, em terceiro lugar, porque o Ministério da Economia decidiu que as universidades federais também estão submetidas às determinações da instrução normativa, o que é uma aberração jurídica. Afinal, elas gozam de autonomia assegurada pela Constituição. E pela hierarquia das leis, no Estado Democrático de Direito, uma instrução normativa – que não passa de uma simples norma complementar administrativa destinada a completar o que está numa portaria ou num decreto – em hipótese alguma pode revogar direitos constitucionais.
“Independentemente das pautas e das razões da greve, o corte de ponto passa a ser o princípio. A decisão do STF define o corte como possibilidade, não como necessidade”, afirma Gustavo Seferian, professor de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e encarregado da área jurídica do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). Na mesma linha, procuradores e juízes trabalhistas chamam a atenção para a possibilidade de criação de uma lista de grevistas, com risco de perseguições e de retaliações.
A ofensiva do Ministério da Economia contra o funcionalismo e contra os servidores e professores das universidades federais não é recente. Em seus primeiros meses à frente dessa pasta, o ministro Paulo Guedes chamou os funcionários públicos de “parasitas”. E, a exemplo do que já disse seu superior hierárquico, o presidente Jair Bolsonaro, também apontou as universidades federais como “focos de desperdício de recursos”, criticando-as por serem dirigidas por “reitores de esquerda”.
Em resposta às críticas contundentes vindas de setores sindicais, universitários e jurídicos, o Ministério da Economia alegou, por meio de nota, que o governo “não dispunha de ferramenta que pudesse oferecer informação sistematizada e ágil a respeito da paralisação de suas atividades”. Além do flagrante desconhecimento em matéria de direito constitucional evidenciado pelo texto da IN n.º 54, o Ministério da Economia se esqueceu de que já existe um órgão encarregado desse tipo de trabalho, que é a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). E ainda relegou para segundo plano o fato de que, se a greve é um direito constitucional, é um atentado contra a lógica jurídica tentar punir administrativamente quem planeja uma greve ou, então, quem participa de uma greve tida como legal pelos tribunais.